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Há 85 anos no Brasil, Saint-Gobain tem receita recorde e vê futuro “verde”

Multinacional de origem francesa cresceu 40% no Brasil em 2021 e faturou R$ 15 bilhões; plano para 2022 é crescer 15%

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Karina Souza, Exame. “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu?”. A famosa frase, atribuída à rainha má da fábula da Branca de Neve, poderia cair como uma luva para o vaidoso rei Luís XIV. De olho em reforçar a própria autoridade, o monarca ordenou, em 1665, a criação de uma companhia dedicada a fabricar 357 espelhos para o Palácio de Versalhes, refletindo – com o perdão do trocadilho – o que havia de mais inovador na época.

Os espelhos permaneceram e, em 2022, a companhia fundada naquela época comemora o mesmo número em idade. De lá para cá, a Saint-Gobain cresceu e se diversificou. Hoje, atua em cinco áreas (construção civil, automotivo, mineração, indústria e espelhos) e tem mais de 1.200 empresas incorporadas e 167 mil funcionários.  Com um faturamento global de 52,3 bilhões de euros, a companhia quer crescer ainda mais – e vê na América Latina um potencial de rápido crescimento para os próximos anos, principalmente em soluções sustentáveis.

No Brasil desde 1937, a companhia tem no país o quinto maior mercado em faturamento (os líderes são França e Estados Unidos). Em 2021, vendeu R$ 15 bilhões por aqui, valor recorde e que representa aumento de 40% em relação ao ano anterior. É um resultado que reflete o crescimento de todo o setor, que registrou aumento de 16% no faturamento, segundo um levantamento realizado pela Anamaco (Associação Nacional dos Comerciantes de Materiais de Construção) em parceria com a FGV.

Na Saint-Gobain, cerca de 75% do montante veio da construção civil, setor que não parou de crescer na pandemia – impulsionado pelos juros baixos e inflação. Diante da alta de ambos os indicadores e do novo cenário de crescimento de 2% da construção civil em 2022, a meta da companhia é mais modesta, de crescer 15%. “Tenho visto nossos números mensais de vendas e acredito que isso é plenamente possível. Estou otimista”, diz Javier Gimeno, CEO do Grupo Saint-Gobain na América Latina. Para garantir o crescimento, 99% do que o grupo vende no Brasil é produzido localmente, diminuindo de forma considerável a dependência de importações — um ponto importante no cenário atual, em que as consequências logísticas da invasão russa à Ucrânia ainda não estão totalmente conhecidas.

Ao todo, a companhia é dona de 19 empresas no Brasil, que incluem Brasilit (de telhas e construção a seco), Quartzolit (rejuntes, argamassas e impermeabilizantes), Isover (de produtos para proteção térmica e acústica), TekBond (produção e importação de produtos adesivos e adesivos instantâneos) Cebrace, Sekurit e Saint-Gobain Glass (de vidros planos). Ao todo, são 56 fábricas no Brasil. E, além disso, a companhia é dona da Telhanorte, de varejo de materiais de construção. “Tivemos um ano espetacular em 2021, mesmo com a ruptura da cadeia de suprimentos por causa da alta na demanda. Inovamos muito na forma de trabalhar, especialmente em aspectos digitais, e esperamos crescer também em 2022”, diz Juliano Ohta, CEO da Telhanorte no Brasil.

É um objetivo compartilhado por todo o grupo. Além do investimento em crescimento orgânico, a Saint-Gobain também vai às compras. Só em 2022, a empresa já realizou três: a aquisição da Braspefer, de impermeabilizantes e da Z Aditivos, além de uma joint-venture com a empresa de cimento Argos. Ainda neste ano, mais três aquisições devem ser realizadas, focando também em pequenas e médias empresas.

O dinheiro vem da própria subsidiária brasileira, utilizando somente o caixa da companhia. “Mesmo crescendo a uma taxa alta, conseguimos aumentar a rentabilidade no país em 2021. Para este ano, a meta é continuar crescendo a uma alta taxa, mantendo a rentabilidade conquistada até aqui, sem planos de aumentá-la no curto prazo”, diz Javier.

Mais produtividade e sustentabilidade

As compras de empresas são parte do compromisso da companhia de crescimento apoiado em tornar as construções mais ágeis e sustentáveis .  “Construímos casas e prédios da mesma forma há mais de quarenta anos. Há espaço para reformular processos, principalmente no Brasil”, diz Javier.

Há espaço para isso. O país ocupa o 56º lugar no ranking de Produtividade Global em construção, divulgado em 2021. Isso representa 20,3% da norte-americana, segundo um estudo divulgado pela FGV, feito pelo Conference Board, benchmark internacional em análises de produtividade. “Há pouca mão-de-obra qualificada no país de modo geral e os tributos que incidem sobre produtos fabricados são muito maiores do que os de construções. Isso sem falar no cenário macroeconômico. É um desafio, mas empresas que investem em inovação podem se diferenciar”, diz Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do FGV Ibre.

Anualmente, a Saint-Gobain companhia investe 50 milhões de euros (mais de R$ 300 milhões) em inovação na América Latina. Dentro desse projeto, está uma equipe de 200 engenheiros trabalhando em Capivari, interior de São Paulo, dedicados a projetos de P&D. O local é o único no Hemisfério Sul, entre os oito centros de pesquisa do grupo no mundo.

Alguns produtos que resultam desse esforço global por inovação já estão à venda no país: um deles é o gesso desenvolvido pela Saint-Gobain, que leva 40% menos tempo para ser aplicado, porque exige uma quantidade menor do que do produto tradicional para oferecer a mesma cobertura. Além dele, vidros com mais isolamento térmico também já são comercializados no país. Fora do Brasil, a companhia já vende outras inovações como módulos prontos para instalar, além de empreendimentos feitos a partir de impressão 3D.

Em uma das indústrias mais poluentes do mundo – a construção civil emite cerca de 40% das emissões de CO2 – a Saint-Gobain afirma que consegue reduzir esse valor em ⅔ com as soluções já comercializadas. Um ponto importante para isso é a “construção leve”, que já responde por 40% das vendas do grupo no mundo todo.

No Brasil, as construções “verdes” têm sido cada vez mais vistas como um diferencial competitivo. Cidades como São José dos Campos já exigem modelo sustentável de construção em 100% das obras, por exemplo. Projetos que utilizam bambu e isopor foram o tema da CASACOR, uma das principais feiras do setor, no último ano. Isso sem mencionar objetivos maiores de redução de emissões, como a COP26, realizada também em 2021. “A sustentabilidade ainda exige investimentos para ganhar escala, produtividade e preço. Tornar essas construções acessíveis para todos será um ponto importante, mas os primeiros passos já foram dados”, diz Ana Maria.

Ampliando o foco, há ainda outros problemas a serem resolvidos na construção sustentável: gestão ecológica da água, redução do uso de materiais com alto impacto ambiental e disseminar mais soluções que potencializem o uso racional de energia, por exemplo. Tudo isso reflete a busca por mais tecnologia, capaz de transformar a maneira como edifícios são construídos no país.

Mercado disputado

Na busca por inovação sustentável, startups também se unem ao nicho da construção. “O mercado de startups e tecnologia voltado para construção civil tem crescido de maneira consistente nos últimos anos. Observamos o crescimento do número de startups, a maior participação de grandes empresas no ecossistema e o surgimento de investidores específicos para o setor, o que indica amadurecimento do mercado”, diz Gustavo Gierun, CEO do Distrito. O número de empresas desse tipo cresceu 235% nos últimos cinco anos no Brasil, com 839 empresas no país. Os dados são do Mapa das Construtechs e Proptechs 2021, elaborado pela Terracotta Ventures, gestora de investimento em empresas de tecnologia.

Entre as startups de olho nesse mercado, estão nomes como a  Molegolar, construtech brasileira que projeta módulos que permitem customizar a casa de forma rápida. A TecVerde é outra, que mira a eficiência da construção e já permite reduzir 85% dos resíduos em obras, por exemplo. Por fim, a Noah anunciou no ano passado que quer captar até R$ 300 milhões para construir um prédio feito inteiramente de madeira.

Do lado dos materiais de construção, a startup Oico, que funciona como um marketplace de fornecedores, já atende 50 compradores profissionais de materiais, e a ConstruMaxi, que agiliza cotações, atingiu a marca de 2,7 milhões de reais cotados.

Diante da concorrência em alta por cada vez mais inovação – e cada vez mais rápido – o foco da Saint-Gobain em empresas que tenham capacidades de tecnologia cada vez mais avançadas para agregar a companhia faz sentido com a evolução do setor na América Latina. Com o pé no acelerador, a Saint-Gobain quer unir o melhor da escala de uma multinacional à inovação de pequenas empresas para ganhar a região. “Queremos chegar às cidades medianas e pequenas no Brasil e estamos investindo no Nordeste de Centro-Oeste para expandir. Em outros países, como Peru, temos a liderança local, mas ainda não é tão consolidada”, diz Javier.

Há muito por fazer para a Saint-Gobain, mas uma certeza persiste: reorientar o foco acompanhando as tendências de mercado, de olho em pequenas empresas com capacidades tecnológicas novas e o foco no meio ambiente serão pilares essenciais para fazer a companhia resistir aos próximos trezentos anos.

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