O conceito de sustentabilidade na arquitetura e construção desperta hoje crescente interesse de profissionais do mercado e comunidade acadêmica. A produção acadêmica é hoje no Brasil significativa. Paradoxalmente, a produção arquitetônica no Brasil não vem sendo capaz de acompanhar essa tendência. Deixemos momentaneamente de lado as certificações ambientais. Estamos falando de arquitetura sustentável, o projeto capaz de “dialogar” com o clima, se tornar independente, ou quase independente de sistemas ativos de condicionamento e iluminação artificial. Preparar as gerações futuras de profissionais para a nova linguagem que a arquitetura sustentável requer, de forma a transformar significativamente o modelo atual de cidade é um dos desafios das escolas de arquitetura para o século XXI. Essa transformação passa obrigatoriamente por uma revisão do currículo acadêmico, de maneira a inserir conceitos de sustentabilidade nas diversas disciplinas, o que se refletirá naturalmente no exercício projetual dos futuros arquitetos.
A inserção do conceito de sustentabilidade no ensino da arquitetura e urbanismo mostra-se fundamental diante das crises sócio-ambientais na qual os grandes centros urbanos se encontram
Esse texto resume artigo publicado por mim em co-autoria dos arquitetos Ricardo Vasconcelos (meu sócio na Ca2) e Pérola Brocaneli para o a Conferência internacional Global Forum for Business as and Agent of World Benefit (BAWLB) 2009 (repare que já discutimos esse assunto há mais de 7 anos). O texto discute as potencialidades que as principais disciplinas ministradas nos cursos brasileiros de arquitetura possuem no que se refere à questão da sustentabilidade, propondo soluções que adequem as mesmas a uma nova realidade de projeto.
O EDIFÍCIO “PARASITA” E A RESPONSABILIDADE DOS ARQUITETOS
A cidade pode ser classificada como um “ecossistema que depende de grandes áreas externas a ele para a obtenção de energia alimentos, água e outros materiais necessários às atividades humanas, como combustíveis fósseis, metais, entre outros” (FRANCO, 2001). A autora enxerga a relação entre edifícios e ecossistemas naturais como uma relação parasita- hospedeiro. O surgimento de edifícios parasitas ao longo dos anos, resultou na criação de cidades extremamente hostis ao homem e ao meio- ambiente, e ultra-dependente dos recursos naturais.
O fato de vermos proliferar termos que vem surgindo, tais como “arquitetura bioclimática”, “ecológica” e mais recentemente, “arquitetura sustentável”, indicam a existência prévia de uma arquitetura não bioclimática, não ecológica e não sustentável (BOGO, 2001). E isso é preocupante, quando nos deparamos com o modelo de ensino atual nas escolas de arquitetura, herdado dos antigos currículos acadêmicos.
A inserção do conceito de sustentabilidade no ensino da arquitetura e urbanismo mostra-se fundamental diante das crises sócio-ambientais na qual os grandes centros urbanos se encontram, para a formação das novas gerações de arquitetos.
DE ONDE VIEMOS, PARA ONDE VAMOS…
A história da arquitetura vem acompanhando a evolução da humanidade ao longo dos séculos. E com as mudanças nos paradigmas da arquitetura, evoluções no ensino academico mostram-se essenciais.
“Na época colonial, quando o arquiteto ainda não era reconhecido como profissional, o ensino da arquitetura tinha como currículo apenas matérias relativas à Desenho Natural, geometria elementar, ótica e noções práticas de mecânica. Mais tarde, por volta de 1855, surgiram aulas de Desenho geométrico, matemática aplicada, nivelamento de terrenos e perspectiva.” (BARRETO, 2001). O surgimento de novas matérias refletia as necessidades da época, a qual os arquitetos passariam a ser os responsáveis por solucionar. No século XX, evoluções significativas no ensino da arquitetura foram incorporadas aos currículos acadêmicos, como uma reação natural do movimento modernista. Conforme a arquitetura moderna se desenvolvia, era preciso um ensino mais técnico e específico. Em 1952, o currículo das escolas de arquitetura do país incluiram matérias como “Arquitetura do Brasil” e “Concreto Armado”, evidenciando uma preocupação em relação ao novo contexto histórico daquela época. Em 1994, foi definido um novo currículo mínimo para as escolas de Arquitetura e Urbanismo pelo Ministério da Educação, incluindo matérias que vieram compatibilizar o ensino com as mudanças deste final do século XX, como discussões em torno da recuperação de bens tombados e da radical influência da informática na vida dos alunos e profissionais.
O panorama histórico do ensino da arquitetura sempre procurou acompanhar mudanças sociais, humanas e culturais para que a produção arquitetônica caminhasse em paralelo com as transformações regionais e mundiais.
Frente ao novo contexto mundial do desenvolvimento sustentável, no início do século XXI, ainda não sentimos o reflexo dessa tendência na produção arquitetônica em larga escala no país. Acreditamos que esse cenário é reflexo do modelo de ensino vigente à época da formação das atuais gerações de arquitetos atuantes formados há 20 ou 30 anos atrás, situação portanto compreensível.
O grande problema é que as bases desse modelo perduram até hoje nas escolas de arquitetura do país, impedindo a adequada formação de profissionais que desenharão o futuro de nossas cidades.
Alguns dos conceitos arquitetônicos tomados como verdade há algumas décadas atrás, ainda são considerados paradigmáticos nos dias de hoje. Cito alguns questionamentos bastante válidos que devemos nos fazer: “Os valores arquitetônicos que temos, assumidos e consolidados desde quando aprendemos arquitetura (a dez, vinte ou trinta anos atrás) ainda são possíveis de ser praticados e ensinados? Os grandes mestres e ícones da arquitetura, por serem tratados como “clássicos”, devem servir de modelo ou de inspiração, como dizem muitos arquitetos e estudantes de arquitetura? Ou será que a produção arquitetônica existente ao longo da história da humanidade deve ser estudada, avaliada sobre o contexto histórico, social, cultural, tecnológico e também no contexto ambiental daquelas épocas anteriores e visões de mundo existentes?” (BOGO, 2001).
Assim como ocorreu por diversas vezes na história do ensino da arquitetura, estamos hoje diante de um novo marco de mudanças globais que pedem uma revisão conceitual no ensino da arquitetura com claro foco em sustentabilidade e uso racional de recursos naturais.
O artigo completo publicado na Conferência Internacional Global Forum BAWLB 2009 apresenta proposta conceitual para a inserção dos conceitos de sustentabilidade nos currículos das escolas de arquitetura do país com foco em quarto matérias pertencentes aos currículos atuais. O artigo na íntegra, incluindo a bibliografia citada nesse texto pode ser acessado aqui.