Por Marcelo Leite, Folha de São Paulo. São Paulo, depois de Belo Horizonte e uma centena de municípios mineiros, fluminenses e capixabas, além do Reino Unido e boa parte da Europa Ocidental, estão debaixo d’água.
A península antártica registrou 18,3°C positivos, recorde de temperatura. A Austrália está em chamas. O desmatamento da floresta amazônica dobrou em janeiro.
Já se torna ocioso repetir que os desastres se encaixam à perfeição nas predições dos climatologistas quanto a eventos extremos decorrentes do aquecimento global turbinado pelo homem.
Entretanto, os refratários ao óbvio e os já convencidos sofrem todos as mesmas consequências. Não faltam razões para que se unam em cobrar do poder público ações mais consequentes.
Em São Paulo, por exemplo, há 17 grandes intervenções em andamento, mas 14 estão atrasadas. O prefeito Bruno Covas (PSDB), cuja administração está no poder há três anos, culpa a gestão de Fernando Haddad (PT).
Acusa os petistas de iniciar obras sem projeto executivo. O PT diz que é mentira. Enquanto isso, paulistanos se afundam em águas fétidas, carros boiam como joguetes, milhões de horas de trabalho se perdem.
Covas, Doria e Haddad vão também culpar São Pedro? Resmungarão que choveu demais, como nunca antes, à moda do prefeito de BH e do governador de Minas?
Pois os problemas são precisamente esses dois: cairão chuvas cada vez mais intensas, como avisam há décadas pesquisadores do clima.
Predominam dois tipos básico de intervenção: canalizar córregos e rios e construir piscinões. Fundamentam-se, ambos, na pretensão equivocada de domar as águas, confinando-as em fortalezas de concreto até que sejam despejadas no canal principal, rios como o Tietê e o Pinheiros paulistanos.
Ambos se inundaram nesta segunda. Quando isso acontece, inverte-se o fluxo das águas retidas em tubulações, que saem pelos bueiros e bocas de lobo.
Uma das razões está nos projetos, que se baseiam em estimativas das ocorrências máximas no passado. Ora, caíram sobre São Paulo 100 mm em menos de 24 horas, cerca de um terço do que choveu em fevereiro em 2019. Em outras palavras, médias não servem mais para planejar a drenagem.
Uma das razões está nos projetos, que se baseiam em estimativas das ocorrências máximas no passado. Ora, caíram sobre São Paulo 100 mm em menos de 24 horas, cerca de um terço do que choveu em fevereiro em 2019. Em outras palavras, médias não servem mais para planejar a drenagem.
Está na hora de rever os pressupostos e chamar urbanistas, climatologistas e ambientalistas para a mesa de discussão. Em lugar de construir mais pistas nas marginais, aumentando a impermeabilização do solo, que tal devolver as áreas de várzea para os rios e parar de aprisioná-los com cimento?
Empreiteiros e motoristas ficarão descontentes com a mudança de mentalidade. A alternativa para eles —para todos nós— é seguir aprisionados dentro de carros, emitindo gases do efeito estufa, praguejando contra o trânsito e os céus, torcendo para não ser arrastado na enxurrada.