Ainda moleque aprendi a fazer contrapiso. Era coisa muito simples: molhava a laje na véspera, fazia uma ponte de aderência com cimento e água, estendia a argamassa úmida, socava com vontade, sarrafeava e pronto.
Se porventura ocorressem desplacamentos era comum culpar o servente que havia se comprometido em socar e não socou com vontade.
Se socar levinho, falta compressão e a argamassa não gruda na laje. Se não gruda, a lâmina de argamassa formada fica suspensa e forma uma bolha que ao receber impacto vibra e trinca. Daí pra frente todo bom engenheiro sabe como transcorre a história. É só confusão.
Não considerávamos a ideia de erro no traço nem de mistura. A suspeita recaia sempre sobre a eficiência da compactação.
Na década de 90 do século passado ocorreu o boom dos contrapisos soltos e quando me chamavam para ver as ocorrências, eu sempre percebia que haviam se esquecido de socar com vontade, como aprendi, mas que também já havia erro no traço da argamassa.
Naquela época, ninguém na obra levava muito a sério as argamassas industrializadas, mas no caso dos contrapisos foi a solução para o problema. E aproveitando a onda de progresso na qualidade dos procedimentos executivos que se vivia, a boiaca de água e cimento, simples, que fazia a ponte de aderência, foi enriquecida com polímero acrílico. E é este o sistema utilizado até hoje. É eficiente e correto, e se algo ocorrer de errado, na maioria dos casos é por falta de energia para socar com vontade. Igualzinho antigamente, sem tirar e nem pôr!
Ao final, evoluiu, evoluiu… mas não resolveu o problema!
É impressionante o número de ações judiciais relacionadas com problemas de contrapiso.
Isto porque o valor financeiro envolvido nos reparos quase sempre compreende a substituição total do piso do ambiente por um novo de mesma qualidade, e se o vivente der azar de errar bem no piso paginado com os veios casados em Mármore Calacatta do salão de festas da associação dos cartões de crédito, aí o cidadão não aguenta! Ele prefere resolver em juízo para gozar da proteção da lei. Mas, pior mesmo, é quando a ocorrência é sistêmica e atinge diversos andares e clientes em várias torres…
Quase tudo por falta de compactação.
Isto se repete aqui e em qualquer lugar do planeta. O contrapiso é feito do mesmo jeito e é o serviço mais carente de tecnologia do canteiro em todo o mundo. Ele é necessário, mas envelheceu e nada de melhor foi apresentado para uso em escala.
Existem soluções de compactação com réguas vibratórias ou execução em argamassa autonivelante que funcionam razoavelmente bem, mas ainda são carentes de atrativos que convençam o mercado a mudar e adotá-las. O Contrapiso é uma tarefa encarada como tradicional e de simples execução pelo pedreiro e assim sempre será.
Somente um procedimento mais simples ainda o substituirá. Com a chegada da tecnologia dos concretos autoadensáveis ao mercado, aguardam-se novidades neste setor pela evolução das argamassas e micro-concretos autoadensáveis e autonivelantes. É esperar para ver.
Mas na sua obra, no seu dia-a-dia, resolva o problema de compactação dos contrapisos e livre-se deste assunto.
Isto vai lhe proporcionar tempo para se dedicar aos outros problemas. Afinal, engenheiro é avaliado pelas suas aptidões em resolver problemas!
E este é resolvido assim: socando com vontade; na porrada!