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O projeto de recuperação do Morumbi para o show do Rolling Stones

Além das arquibancadas do Morumbi, a inspeção da estrutura identificou problemas de falhas de concretagem nos gigantes e em vigas, também com presença de armaduras expostas e oxidadas.

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Durante um jogo assistido por cerca de 9 mil torcedores, a TV Bandeirantes informou que as arquibancadas apresentavam níveis excessivos de vibração, sobretudo nos setores superiores.

Como minha família é do sul de Minas Gerais não sou torcedor de algum time paulista, mas aprecio o bom futebol. Estou longe de ser qualificado como um fanático por este esporte, ou por qualquer outro, uma sábia decisão já que pretendo manter minhas antigas amizades.

E por falar em paixão, também adoro rock clássico. Tive uma banda na minha juventude onde tocávamos (sempre!) muito rock e MPB de qualidade!

É nesse cenário de paixão, esporte e música que se desenrola esse artigo.

Os Shows dos Rolling Stones

O Morumbi, Estádio Cícero Pompeu de Toledo, é o maior Estádio privado do Brasil. Além de ser a “casa” do São Paulo Futebol Clube, tem sido palco de uma grande quantidade de eventos esportivos e de entretenimento na capital paulista. Já sediou jogos da Seleção Brasileira, a visita do Papa João Paulo II e shows de grandes artistas d bandas como Paul McCartneyU2Queen, Black Sabbath, Kiss, Foo FightersAerosmithRoger Waters, Coldplay, Bom Jovi, Madonna, Eric Clapton e Michael Jackson, dentre tantos outros.

Projetado pelo renomado arquiteto Vilanova Artigas para atender um público acima de 100 mil espectadores, na época, a construção que começou em 1952 consumiu 18 árduos anos até seu término, em 1970.

Em São Paulo foram agendados, originalmente, dois shows no Estádio do Morumbi, no ano de 1995. Porém, uma semana antes das apresentações o local foi interditado por problemas relacionados à estrutura do Estádio e vibrações. Por esse motivo os organizadores transferiram o evento para o Pacaembu que era menor e, por consequência, os fãs acabaram ganhando uma terceira apresentação em São Paulo.

Estrutura de estádio se move com a vibração da torcida (exemplo de vibração, em
um outro estádio).

O conjunto estrutural repleto de pilares

O projeto estrutural, assinado pelos escritórios Pestalozzi-Meili e Gersenchtein-Bernasconi exibe sua forma elíptica com estrutura suportada por 72 pilares denominados “gigantes”, distribuídos a cada 10 metros, compondo doze setores estruturais, separados entre si por juntas de movimentação. O estádio tem 3 níveis de arquibancadas sendo a primeira, no nível térreo, apoiada diretamente sobre o solo, exceto em um setor, onde existe o subsolo dos vestiários. 

A arquibancada intermediária, com quinze degraus, está apoiada em vigas secundárias suportadas por uma grande viga em balanço, engastada no pilar. A arquibancada superior, a mais importante, tem trinta degraus, está apoiada em vigas secundárias suportadas por outras principais engastadas nos gigantes, apresentando duplo balanço, sendo um deles voltado para o lado externo, utilizado para circulação. Cada um dos gigantes descarrega sua carga em um bloco de fundação, que coroa dois tubulões.

Duas lajes externas dão acesso à arquibancada, além da área de administração e atividades do clube. Estão apoiadas internamente nos gigantes e externamente em pilares circulares, com fundações em estacas pré-fabricadas.

Detalhe da estrutura do Estádio do Morumbi.

Os problemas da estrutura de concreto armado

Um fato interessante é que a preocupação inicial com o Estádio não estava relacionada à segurança estrutural, mas à integridade física dos torcedores, árbitros e jogadores já que pedaços do concreto de cobrimento das armaduras soltos das arquibancadas serviam de armas empunhadas por torcedores mais exaltados.

Houve pouca preocupação estrutural com as arquibancadas, ao menos naquele momento, embora sintomas de corrosão das armaduras e sua exposição aos agentes agressivos da atmosfera já sugeriam intervenção para garantir a durabilidade e o bom desempenho do conjunto estrutural.

Arquibancadas com armaduras corroídas e espessura reduzida.
Reparos feitos de forma inadequada na estrutura e situação precária da junta de movimentação.
Armaduras expostas e oxidadas na face inferior da estrutura das arquibancadas.

Além das arquibancadas, a inspeção da estrutura identificou problemas de falhas de concretagem nos gigantes e em vigas, também com presença de armaduras expostas e oxidadas.

Falha de concretagem em gigante (pilar).
Falha de concretagem em viga.

Morumbi interditado

Durante um jogo assistido por cerca de 9 mil torcedores, a TV Bandeirantes informou que as arquibancadas apresentavam níveis excessivos de vibração, sobretudo nos setores superiores.

Já preocupado com os problemas de corrosão das armaduras das arquibancadas e infiltração de água pelas juntas de movimentação das mesmas, o Departamento de Obras, dirigido pelo engenheiro civil Luiz Cholfe, conduziu uma ampla investigação da estrutura e monitoramento das vibrações. O processo aponto fissuras de grande abertura em regiões importantes da maioria dos 72 blocos de fundação do estádio, dividindo-os longitudinalmente, após abertura de poços para escavação.

A grave patologia resultou na interdição do estádio do Morumbi pelo CONTRU, departamento da Secretaria da Habitação do município de São Paulo, que cuida da segurança das edificações e locais de concentração de grande público.

Fissura longitudinal de grande abertura, em bloco de fundação.

Cabe destacar que, segundo o próprio engenheiro Luiz Cholfe, nos estádios esportivos brasileiros construídos antes da década de 70, as análises dinâmicas básicas de projeto ainda não eram adequadamente aplicadas. Somente mais tarde, com o desenvolvimento de processos numéricos de maior capacidade, os modelos de projeto passaram a ser mais eficazes no que tange a previsibilidade e a avaliação do comportamento estrutural apresentando soluções para melhorar as respostas das estruturas contra vibrações e ações dinâmicas.

No caso de arenas e estádios de futebol, as maiores preocupações são as vibrações provocadas pelo entusiasmo das torcidas organizadas e pela multidão de espectadores que dançam e pulam, de forma ritmada, durante os grandes shows. 

O problema não se limita ao desconforto da oscilação. Ela é semelhante às oscilações que sentimos quando estamos, por exemplo, sobre as pontes das Marginais Pinheiros ou Tietê, com o trânsito parado. O que muda é que se a vibração do estádio for mantida por muito tempo poderia trazer risco total ou parcial para sua estrutura.

Uma breve explicação sobre vibração e ressonância

Não é meu objetivo abordar a questão na perspectiva técnica analisando a equação diferencial que demonstra como as vibrações livres acontecem, envolvendo deslocamento, velocidade, aceleração, massa e rigidez. De uma forma simplista, essa informação já nos dá uma dica das possibilidades para combatermos os efeitos da vibração, uma vez conhecidos os paramentos e condições envolvidos. 

Para quem quiser se aprofundar neste estudo indico o conteúdo produzido pelo próprio Luiz Cholfe, em 2001, um excelente trabalho intitulado “Controle de Vibrações em Estádios Esportivos”. Nele, o autor vai fundo na análise desta equação matemática e no amortecimento de vibrações, apresentando propostas concretas para o controle e redução das vibrações induzidas pelas torcidas.

Vale destacar que os objetos vibram em uma frequência natural própria. No caso das estruturas de concreto dos estádios, em geral com grandes vãos ou balanços, as primeiras frequências naturais da estrutura apresentam valores entre 2 e 5 Hz e a movimentação da torcida, por exemplo, apresenta trechos periódicos com frequência entre 2 e 2,5Hz.

Se algum fator fizer com que um objeto vibre numa frequência igual à sua frequência natural acontecerá um fenômeno denominado “Ressonância”, aumentando a amplitude da vibração podendo ocasionar sua ruptura. Isso é o que ocorre quando algumas cantoras atingem um tom muito agudo e se mantêm cantando neste mesmo tom por algum tempo, fazendo com que taças de cristal se quebrem (nesta situação, a frequência da voz se equipara à do vidro).  Pelo mesmo motivo uma tropa de soldados não deve atravessar uma ponte marchando, evitando atingir uma frequência de vibração igual à da ponte. Se a estrutura não tiver sido projetada para resistir à estas oscilações e deformações, a estrutura de concreto poderá se romper e a ponte ruir.

O projeto de recuperação, reforço e proteção da estrutura

O projeto de recuperação, reforço e proteção da estrutura do Estádio do Morumbi foi conduzido sob responsabilidade do engenheiro Luiz Cholfe, dirigente do Departamento de Obras do São Paulo Futebol Clube e responsável pela fiscalização da execução das obras.

A solução para as arquibancadas foi estudada e desenvolvida em conjunto com a Fosroc (empresa britânica do Grupo Burmah Castrol), então dirigida por mim, com a participação do amigo e engenheiro Paulo Roberto Ferreira de Castro, que gerenciava a área de Recuperação, Reforço e Proteção de Estruturas de Concreto.

A urgência da obra era absoluta, já que havia somente 120 dias para a execução dos reforços e liberação do estádio para os shows dos Rolling Stones.

Considerando o curto prazo disponível para a execução do reforço da estrutura das arquibancadas, a solução adotada foi o reforço com argamassa polimérica industrializada, projetada sobre tela soldada, com ligações à estrutura pré-fabricada através de chumbadores metálicos, em uma área total de 33.000 m², o que corresponde à área total das arquibancadas.

Ilustração da solução para o reforço das arquibancada.

Objetivos do projeto

  1. Garantir a espessura mínima de 60 mm, melhorando a rigidez da estrutura.
  2. Dadas as características da argamassa polimérica projetada, também impermeabilizar a estrutura, eliminando vazamentos e garantindo sua durabilidade.

O reforço das arquibancadas com argamassa polimérica industrializada, projetada sobre tela soldada

A empresa contratada para a execução deste escopo foi a Tecnipol, sob a responsabilidade dos engenheiros Francisco Martins Pereira e Marcos Antonio Martin dos Santos que, anos depois, tive o prazer de ser seu colega na Método Engenharia.

A execução dos serviços de reforço das arquibancadas foi realizada com total êxito e no prazo acordado. No entanto, devido à necessidade de reforços nas fundações dos “gigantes” e da implementação de uma solução eficaz para os problemas de vibrações, o estádio foi interditado e os shows transferidos para o Pacaembu.

Foram consumidas 1.600 toneladas de produtos especializados para recuperação e reforço estrutural nesta obra.

Preparação das superfícies do concreto das arquibancadas mediante frezamento.
Apicoamento e preparação superficial das arquibancadas com mateletes.
Fixação das telas soldadas do reforço estrutural, com chumbadores metálicos.
Projeção da argamassa polimérica industrializada para o reforço e impermeabilização da estrutura das arquibancadas.
Equipamento misturador-bomba contínua, para a projeção de argamassa polimérica industrializada.
Acabamento superficial da argamassa polimérica industrializada.
Cura da argamassa polimérica projetada.
Recuperação e reforço de trecho da arquibancada finalizado.

Recuperação e reforço de vigas e gigantes e proteção das superfícies de concreto das áreas externas

As vigas e os gigantes foram recuperados mediante a preparação adequada das superfícies, remoção do concreto desagregado, complementação de armaduras e de estribos corroídos, proteção dos mesmos com um primer rico em zinco e recomposição da seção das peças com micro concreto fluido, confeccionado com graute industrializado e brita zero.

Depois dos reforços, toda a superfície externa das arquibancadas, as vigas e os pilares foram preparados e estucados com pasta de cimento modificada com polímero para a remoção das imperfeições. Receberam proteção superficial com sistema à base de verniz acrílico.

A execução das obras de recuperação, reforço e proteção do concreto pelo lado externo foram executadas pela RR Compacta, dos irmãos Raul e Renato Nahas.

Proteção das armaduras de uma viga com primer rico em zinco.
Recuperação de um gigante e proteção das armaduras com primer rico em zinco.
Elemento estrutural já reforçado.
Estrutura externa antes e depois do reforço e do tratamento e proteção
superficial com sistema de verniz acrílico.

Recuperação e reforço dos blocos de fundação

O projeto de reforço dos blocos de fundação contou com a participação da Themag e execução da RR Compacta e pela Abadia. O projeto de reforço considerou a instalação de armaduras de protensão, a execução de armadura de reforço e uso de concreto de alto desempenho. A execução foi trabalhosa porque houve necessidade de demolir o piso de concreto e escavar para acessar os blocos. Depois, foi realizado o reaterro compactado e a recomposição dos pisos. Vale destacar que também foi constatada a existência de falhas de concretagem nos blocos.

Perfuração dos blocos para a instalação das armaduras de protensão transversal.
Detalhe de bloco com os tirantes transversais já protendidos.
Armadura de reforço de um bloco de fundação.

O controle de vibrações da estrutura do Estádio do Morumbi

O estudo do problema e a busca de uma solução para as vibrações da estrutura do estádio foi muito trabalhoso, segundo o engenheiro Luiz Cholfe. Com base nos dados obtidos em investigações feitas pelo Laboratório de Estruturas e Materiais Estruturais da USP (LEM-USP) seria necessário aumentar a frequência natural da estrutura para um patamar acima de 3 Hz. Algumas tentativas foram realizadas como a instalação de uma coluna metálica com pré-compressão apoiada em um bloco sobre 4 estacas tipo raiz, posicionada a 10 metros do gigante, no lado do campo de futebol.

Como o Morumbi estava interditado não foi possível ensaiar a solução proposta. Então, o São Paulo Futebol Clube contratou o consórcio ETEP-ISMES para os ensaios de vibração forçada e, simultaneamente, obter demais características da estrutura.

Os ensaios foram realizados com um vibrador dinâmico – o Vibrodina. O resultado concluiu que a tentativa realizada não foi eficaz. Contudo, segundo informações que estão no trabalho técnico “Controle de Vibrações de Estruturas de Estádios Esportivos”, também do engenheiro Luiz Cholfe, os ensaios permitiram determinar os modos de vibração da estrutura e que o comportamento da mesma é elástico, concluindo que:

  1. Existem diversos modos de vibração com movimentos nas três direções (vertical, radial e tangencial), com frequências de 2 e 3 Hz, o que conferiu ao estádio do Morumbi a condição de estrutura complexa, com vibrações em toda a estrutura das arquibancadas intermediária e superior
  2. Ações dinâmicas, com carregamentos aleatórios e transientes das torcidas, de difícil padronização, com frequências entre 2 e 2,5 Hz, implicam em situação de ressonância com as frequências naturais baixas da estrutura
  3. Análises dinâmicas com simulações a partir de dados experimentais e análises numéricas pelo SAP2000. Ambas demonstraram limites acima dos aceitáveis para a estrutura justificando a necessidade da instalação de sistemas de amortecimento de vibração
  4. Os movimentos em três direções e as condições de instalação, manutenção e custo levaram à escolha de amortecedores fluido viscosos
  5. O sistema de amortecedores escolhido exigiu a construção de um tirante para ligar a parte que mais vibra em uma outra parte de menor vibração. Uma parte do amortecedor ficou solidária ao balanço da arquibancada superior, enquanto a outra, acionada pelo tirante, ficou ligada ao pilar externo que suporta os pavimentos sem público.
Ensaio dinâmico com Vibrodina – equipamento de aplicação de carga e sismômetros.
Equipamento de medida, controle e gravação dos sinais, durante o ensaio dinâmico de vibração.

Após a análise de resultados de ensaios de vibração forçada com amortecedores de três fornecedores diferentes escolhemos amortecedores fluido viscosos GERB (visodamper) e os tirantes foram executados com nove barras Dywidag, com diâmetro de 32 mm.

Detalhe de amortecedor GERB e do fluido viscoso.

O desempenho dos amortecedores instalados foi monitorado medindo as acelerações em jogos de futebol em setembro e outubro de 1999, confirmando sua eficácia como solução dos problemas de vibração do Estádio do Morumbi.

Lições aprendidas

É enorme a satisfação de poder ter participado modestamente deste importante projeto de recuperação do Morumbi.

Conduzidos pela seriedade, responsabilidade e experiência dos envolvidos e pela preocupação com a integridade física de torcedores, jogadores e árbitros de futebol, em um primeiro momento, fomos então levados a encontrar problemas estruturais sérios em um estádio de futebol da maior relevância, que sempre recebeu uma enorme quantidade de pessoas para jogos de futebol, mega shows e outros eventos.

O cuidado no desenvolvimento e detalhamento do projeto, escolha das melhores soluções e cuidados na fiscalização para a execução dos serviços especializados de reparo, reforço e proteção das estruturas de concreto do Morumbi, propiciaram uma intervenção com qualidade, garantindo a durabilidade e o desempenho dos reparos, reforços e da proteção superficial da estrutura realizados. Como resultado a estrutura do estádio do Morumbi permanece íntegra, mais de 20 anos após a finalização das obras.

A atenção ao desenvolvimento tecnológico, ao estudo e análise de modelos de cálculo, sobretudo frente ao efeito de cargas dinâmicas, são aspectos fundamentais para garantir a segurança estrutural.

Homenagem merecida

Faço, finalmente, uma justa homenagem ao amigo e colega Luiz Cholfe, pela condução impecável deste projeto, de forma holística, corajosa e competente. Foram tomadas medidas e decisões corretas durante todo o processo, incluindo a recomendação pela interdição do estádio e ainda, gerando relatórios, registros e estudos técnicos que representam, sem dúvida, uma contribuição relevante para a engenharia no que diz respeito à análise e controle de vibrações em arenas e estádios esportivos.

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