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Projeto de criação de moradias para revitalizar Centro do Rio anima setor da construção civil

Mudanças podem permitir oferta de unidades residenciais mais compactas, possibilitando preços mais baixos, onde, segundo construtor, está a demanda atual

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Imóvel para alugar na Rua do Ouvidor, no Centro do Rio Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo.

Por Rafael Galdo, O Globo. Na Rua do Ouvidor, a faixa vermelha de “aluga-se” presa à porta antiga de ferro — trancada com correntes e cercada de concertina, daquela cortante usada em muros de áreas violentas —, evidencia os efeitos da decadência que um pacote de alterações urbanísticas e tributárias da prefeitura pretende reverter. Na via, considerada no passado o centro do Centro do Rio, lojas e edifícios comerciais fechados repetem o impacto que a pandemia e as sucessivas crises espalharam por todo o entorno, no coração da cidade.

Como adiantou O GLOBO na última terça-feira, as medidas da Secretaria municipal de Planejamento Urbano visam a mudar esses rumos com o estímulo à produção de moradias na região. E, embora o projeto Reviver Centro ainda tenha que ser aprovado na Câmara dos Vereadores, já serviu de injeção de ânimo ao mercado que pode concretizar essa ideia.

— O Centro e os proprietários de imóveis não aguentam ficar mais quatro anos na situação atual, de construções vazias e sendo depreciadas. Por isso, achamos que é uma discussão não só fundamental, mas urgente — afirma Claudio Hermolin, vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Rio (Sinduscon-Rio). — O princípio básico para uma região ter potencial de valorização para o mercado é localização, e a do Centro é ímpar, com todos os modais de transporte, um aeroporto regional e perto de vias de grande circulação. Falta a criação de incentivos e a flexibilização da legislação para que se torne efetiva a possibilidade de imóveis antigos, mal aproveitados e até abandonados serem transformados em empreendimentos que gerem vida, ocupação e renda na região.

Ele ressalta que as propostas do município atacam justamente esses entraves legais que há anos retardam os investimentos, por exemplo, em retrofits. Entre as alterações sugeridas, Hermolin destaca pontos como a dispensa de novas garagens e a desobrigação de que os imóveis tenham uma área mínima (desde que possuam um banheiro integrado), atualmente estipulada em 28 metros quadrados.

— Hoje, para tornar residencial um prédio de escritórios, cada um com 20 metros quadrados, é preciso no mínimo quebrar paredes, porque a legislação atual não permite moradias com esse tamanho no Centro. Além disso, teria que ter um número de vagas de garagem exigido. Se o prédio não tiver, alguns andares seriam usados para essa finalidade, ou as vagas seriam construídas no subsolo, o que em termos de engenharia é muito mais caro. É tanto custo, tanta modificação, que as empresas desistem — ressalta o dirigente do sindicato.

Alex Veiga, CEO do Grupo Patrimar, concorda que o pacote do município pode trazer bons ventos. Para ele, a não exigência de uma metragem mínima na região é chave para os planos decolarem, uma vez que permitiria a oferta de unidades mais compactas, possibilitando preços mais baixos, onde, segundo ele, está a demanda atual.

— Havendo a flexibilização anunciada pela prefeitura, certamente vamos adquirir algo na região. Apostaria no mercado de médio padrão, que tem uma demanda reprimida devido à crise de anos recentes. Diria que seria ocupação imediata, com fila de espera. O Centro do Rio é de uma beleza extraordinária, tem infraestrutura, e ainda podem ocorrer investimentos em áreas contíguas, como no Porto — afirma o executivo.

Além da tentativa de atrair investidores, a prefeitura também lançou anteontem uma plataforma web de consulta pública para ouvir a população sobre o que pode tornar o Centro mais convidativo para morar. Na enquete, há perguntas como a ordem de temas prioritários a serem tratados, com itens como segurança e serviços de esporte e lazer, ou sobre qual seria a maior dificuldade de mobilidade/acessibilidade para se viver na região.

Na famosa Ouvidor, que de tão importante já foi enredo até de escola de samba (do Salgueiro, em 1991), em cada quarteirão há retratos da urgência de uma retomada. O prédio com a porta protegida com concertina fica na esquina com a Rua do Carmo, com um suntuoso salão nobre desocupado. Nas imediações, há dois edifícios comerciais completamente vazios, sem nem sinal do burburinho de escritórios e repartições. Em outro, no número 77, uma tradicional cafeteria, no térreo, não resistiu ao pouco movimento e fechou este mês. Dos outros 10 andares da construção, só dois estão ocupados. Porteiro do imóvel, André Correia da Silva, de 47 anos, mora na cobertura, e assistiu à debandada de empresas da região.

— No momento, a situação não anda legal, não. Estão ocorrendo muitos furtos, saques a construções vazias e invasões — diz ele, que aponta vantagens e barreiras atualmente de se viver onde a prefeitura quer incentivar que mais gente more. — Acho aqui maravilhoso. Resolvo tudo perto de casa. Só ao mercado que vou um pouco mais longe, na Rua Riachuelo, na Lapa. Acho que eu perderia um pouco da privacidade que tenho hoje, mas seria muito bom ter mais vizinhos.

A mais alguns passos do endereço de André, dobrando a não menos badalada Rua Gonçalves Dias, um banner próximo a duas lojas fechadas deixa claro que, ao menos, há esperança por dias melhores. “Tudo isso vai passar e o Rio vai voltar a florir”, está escrito. A rua, de onde partiu o primeiro bonde em direção à Zona Sul e que abriga a Confeitaria Colombo, um patrimônio do Rio, nos séculos passados era conhecida por suas boutiques e joalherias caras. Nos tempos mais recentes, mantinha seu charme com cafés e uma moda mais contemporânea. Mas, só no quarteirão da Colombo, são 12 lojas fechadas, muitas delas com placas de aluga-se. O paredão de portas cerradas se estende até o Largo da Carioca.

E, mesmo às 17h de uma terça-feira, em tempos de pandemia parece viver uma eterna tarde de sábado, com poucos clientes pelo Centro. Nos nove meses de 2020 em que o comércio esteve aberto, dados do Clube de Diretores Lojistas do Rio mostram uma queda de 6,9% nas vendas de bens não duráveis e de 9,2% nas de bens duráveis. Se fosse computado o desempenho dos três meses em que as lojas ficaram fechadas, esses números subiriam para 31,9% e 30,2% , respectivamente. Além da pandemia e do desemprego, os lojistas apontam questões como a violência, os camelôs e o aumento do número de moradores de rua como fatores que influenciaram os resultados.

Já os imóveis fechados, calculou o Sinduscon e a Ademi em meados de 2020, no auge da pandemia, chegavam a 13 mil no Centro. Para escritórios de alto padrão, a consultoria imobiliária JLL aponta que, no quarto trimestre do ano passado, a taxa de vacância na região foi 40,3%, pouco acima dos 39,6% de média da cidade. Foi a área também em que mais inquilinos devolveram seus imóveis, muito influenciados também pelo avanço do home office.  

— No quarto trimestre, o Centro foi a área onde mais espaços foram alugados, se comparado com outras regiões do Rio. Porém, foi a área também onde mais espaços foram devolvidos. Nessa balança, o saldo acabou negativo em 18,8 mil metros quadrados — explica Yara Matsuyama, gerente de locação de escritórios da JLL.

Diretor de Projetos e Obras da Tétris, Guilherme Soares afirma, porém, que, ao tornar o Centro uma área mais agradável à moradia, uma das consequências pode ser também reativar a demanda por escritórios na região, já que as pessoas querem morar perto do trabalho.

— Assim como já ocorre em outras grandes cidades do mundo, o Centro do Rio precisa se tornar mais multidisciplinar, com um mix de habitação e comercial. E, ao dinamizar a moradia, é preciso também é pensar no restante, numa visão mais holística. Tem que ter moradia,  mais também escolas, saúde, cultura, área pública com qualidade, que permita contato com o verde, esporte, qualidade de vida… São formas de quebrar um paradigma de que o Centro não é uma região boa para morar. Essa percepção precisa mudar — diz Soares, que considera positivas as propostas da prefeitura.

Especialista em Direito Urbanístico e pró-reitor comunitário da Universidade Candido Mendes, Cristiano Teobaldi também vê as medidas como acertadas, como a instauração de um IPTU progressivo para evitar a especulação imobiliária. Ele ressalta, no entanto, pontos que precisam ser analisados. Entre eles, o fato de grande parte dos imóveis do Centro serem de propriedade dos governos municipal, estadual ou federal, e muitos deles desocupados atualmente. Ele ressalta a importância de essas construções serem incluídas nos planos de revitalização da região. E lembra que, para isso, podem ser usados instrumentos como a alienação de patrimônios públicos ou o direito real de uso, em que o imóvel continua sendo público, mas de uso privado, principalmente, para moradia.

— O projeto de tornar a região um híbrido entre comercial e moradia corrige um erro estrutural e histórico no Rio. Mas é preciso estar atento também a outras questões, como o processo a gentrificação. Com o metro quadrado valorizado, aquelas pessoas que já moram em algumas áreas residenciais do Centro, como o entorno da Providência, podem acabar sendo afastadas da região, o que seria um resultado muito danoso. Assim como seria bom que o projeto viesse acompanhado de ações que visem à regularização fundiária em comunidades no entorno do Centro, como as bordas do Estácio — ressalva Teobaldi.  

Câmara antecipa discussão sobre plano diretor

Após o anúncio do pacote de medidas para incentivo às moradias no Centro, a Câmara Municipal decidiu antecipar os debates sobre o novo Plano Diretor da cidade, com a criação de uma Comissão de Representação para o avaliar o assunto, constituída ontem, conforme publicação no Diário Oficial da Casa. Presidente da comissão, o vereador Rafael Aloisio Freitas (Cidadania) lembra que as discussões já estavam previstas para o início deste ano, mas serão adiantadas com o objetivo de se ter um estudo o mais breve possível. 

— As questões do Centro serão incluídas nesse debate. Se considerarmos que haverá pontos que merecem ser aprofundados, podemos tratá-los à parte. Diariamente na Câmara, que fica na Cinelândia, vemos que às 17h acaba todo o movimento na região. São mais que necessárias ações para mudar esse quadro — diz Aloisio Freitas. 

Segundo ele, antes mesmo do início do ano legislativo, ao longo dos próximos dias, as lideranças dos partidos serão chamadas para indicarem um vereador de cada bancada a participar da comissão e que, em breve, o secretário municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo, deve ser convidado também às discussões. A previsão, segundo ele, é que na primeira quinzena de fevereiro a comissão já esteja funcionando.

O vereador acredita que questões mais polêmicas, como a não exigência de garagens nos prédios que forem transformados em residenciais no Centro, devem suscitar as discussões mais acaloradas. Mas ressalta a importância de que elas sejam travadas logo. Além do Centro, ele acredita que regiões como o Porto Maravilha, o entorno da Avenida Brasil e áreas da Zona Oeste como o distrito industrial de Santa Cruz devam concentrar parte importante dos debates.

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