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Reajuste de preços dos aluguéis pelo IGP-M vai a 17,4%

Distorção entre IGP-M e IPCA é brutal e traz novo sufoco para o inquilino, que enfrenta graves problemas com perda de renda e desemprego

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Neste momento atarantado, os inquilinos tendem a procurar os locatários para um acerto. Isso já está acontecendo, principalmente nas locações comerciais, num ambiente em que já ocorreram fortes perdas de faturamento, de saídas de empresas do mercado e, também, de redução da procura de imóveis para alugar.

Por Celso Ming, O Estado de São Paulo. Em agosto, a inflação em 12 meses medida pelo IPCA despencou para 2,44%, um dos mais baixos da história. Enquanto isso, o reajuste anual dos aluguéis em setembro, medido pelo IGP-M, disparou para 17,94% e pode chegar perto dos 20% ao final deste ano, conforme calcula o economista André Braz, responsável pelo cálculo de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A distorção é brutal, como pode ser aferido pela trajetória dos dois índices no gráfico. E traz novo sufoco para o inquilino, que já enfrenta graves problemas com perda de renda e desemprego. O que sobra para ele?

Primeiramente, os conceitos e as razões da disparidade. Não há nada de tecnicamente errado no IGP-M e na disparada que aí está. Trata-se de um medidor da evolução dos preços cuja composição tem 60% de preços no atacado e só 30% de preços no varejo (custo de vida). Os outros 10% são de preços do mercado da construção civil.

Por hábito, o mercado de locações vem usando o IGP-M para corrigir os aluguéis. Com sua alta concentração de preços no atacado, esse índice sofreu agora fortes impactos: disparada das cotações do dólar (de 41% em 12 meses) e alta tanto dos preços das matérias-primas como dos preços dos produtos intermediários, que o industrial pouco vem conseguido repassar para o varejo, pois a demanda está contida pela pandemia e pelo medo que o consumidor tem do que vem por aí.

A longo prazo, independentemente da metodologia aplicada, os índices de preços tendem a convergir. Quem melhor ensinou isso foi o falecido professor Julian Chacel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que usou metáfora ligada à pecuária: “Índices de preços são como as vacas. Têm as que já beberam e têm as que ainda irão beber. Mas todas passam pelo bebedouro”, dizia lá por meados dos anos 1980.

Às vezes, imprevistos podem produzir distúrbios na rotina bovina: pode ser a queda de um raio, o voo rasante de um helicóptero, ameaças de um predador. Por essas e outras, aparecem desencontros de comportamento entre vacas já saciadas e vacas não saciadas.

A cesta de itens do IGP-M é composta por preços no atacado (60%), varejo (30%) e construção civil (10%). Foto: Alex Silva/Estadão.

Por isso mesmo, reajustes pelo IGP-M são considerados tecnicamente contraindicados para reajustes de aluguéis residenciais, porque a renda dos inquilinos é determinada mais pela evolução dos salários do que pelos negócios dos atacadistas. Mas podem ser mais adequados para os reajustes de aluguéis industriais e comerciais.

O economista Eduardo Zylberstajn, que coordena o monitoramento das variações dos aluguéis em algumas capitais do País pelo Índice Fipezap, observa que a obsessão do brasileiro com indexadores do período de hiperinflação tem por objetivo proteger ambas as partes do contrato de oscilações bruscas nos preços. “Esse critério de correção se justifica quando a moeda é muito instável, mas há muito esse não é o caso do Brasil”, explica. Por inércia, ficou convencionado continuar utilizando o IGP-M, da FGV, e não o IPCA, do IBGE. “O ideal é viver numa economia sólida, com inflação sob controle e com expectativas de inflação ancoradas, como nos Estados Unidos ou Europa”, diz Zylberstajn.

Nem sempre o inquilino saiu prejudicado com reajustes pelo IGP-M. Algumas vezes, aconteceu o contrário: o índice do custo de vida correu por cima do índice medido pelo IGP-M.

Neste momento atarantado, os inquilinos tendem a procurar os locatários para um acerto. Isso já está acontecendo, principalmente nas locações comerciais, num ambiente em que já ocorreram fortes perdas de faturamento, de saídas de empresas do mercado e, também, de redução da procura de imóveis para alugar.

Há pouco o que fazer fora disso. As partes podem negociar um adiamento do reajuste ou, mesmo, repactuar o indexador, como tomar a média entre a evolução do IGP-M e a do IPCA, como recomenda Adriano Sartori, vice-presidente de gestão patrimonial do Secovi-SP. Ele não sugere usar somente o IPCA, já que não contempla as demandas do mercado de aluguéis. “Meu receio é que isso gere mais desequilíbrios”, diz.

O resto é deixar que o próprio ritmo da economia volte ao normal – até mesmo no uso do bebedouro pelas vacas. / COM GUILHERME GUERRA

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