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Setor da construção civil está otimista com o “novo normal”

A visão de futuro da construção civil é cautelosamente otimista com aposta em racionalização de processos e lançamento de novos formatos de produtos e canais de venda.

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Por Daniela Maciel, Diário do Comércio. Responsável por um em cada seis empregos no Brasil, em média, a cadeia produtiva da construção civil funciona de uma maneira muito peculiar.

O uso de mão de obra intensiva, os ciclos muito longos – que podem levar mais de cinco anos entre a tomada de decisão e a entrega do produto -, o modo de fazer muito artesanal e o impacto social e ambiental das suas atividades, fazem dessa indústria alvo de atenção especial dos analistas na previsão de uma retomada econômica em qualquer cenário de crise. É comum a máxima “a construção civil é a última a sentir a crise e a primeira a sair dela”.

O ineditismo da crise causada pelo novo coronavírus, porém, poderia ter alterado a confiança do setor? É certo que o comportamento do consumidor já está se alterando e no “novo normal” que se aproxima tudo será ainda mais diferente.

Na cauda longa dessa indústria que se estende até o setor imobiliário a sensação, claro, ainda é de incerteza, porém, calejados pelas muitas crises que o Brasil já enfrentou, a visão de futuro é cautelosamente otimista com aposta em racionalização de processos e lançamento de novos formatos de produtos e canais de venda.

Novos modelos de imóveis devem surgir

Nagazawa: as mudanças culturais vão afetar a humanidade. Crédito: Kika Dardot.

Uma nova normalidade que se anuncia passada a fase mais aguda da pandemia de Covid-19 deve alterar sensivelmente o funcionamento das centralidades urbanas. O setor de construção civil deve ser um dos principais responsáveis por apresentar uma nova face para os aglomerados urbanos, especialmente as grandes cidades.

Novos modelos de habitação e de instalações corporativas devem surgir. De acordo com o arquiteto, urbanista e diretor da Bloc Arquitetura e Empreendimentos, Alexandre Nagazawa, os impactos de uma vida isolada, com pouca interação social, serão profundos na construção das cidades, especialmente em municípios que apresentam dificuldades específicas, como ser territorialmente pequeno e com escassez de terrenos vazios, como Belo Horizonte.

“Já estamos vivendo mudanças culturais que vão afetar a humanidade de forma generalizada e o setor imobiliário e, consequentemente, de construção, de maneira específica. Hábitos de autoproteção e de proteção do próximo serão mais frequentes, modificando protocolos de higiene e segurança e, por isso, a configuração dos ambientes. Será ainda mais urgente pensarmos na qualidade de vida das pessoas. Isso vai levar ao controle dos espaços públicos, remodelagem da mobilidade urbana, adesão ao trabalho remoto e a arquitetura e a construção civil serão responsáveis pela implementação dessas mudanças”, explica Nagazawa.

A busca por espaços maiores, mais abertos, com uso de tecnologias e metodologias “verdes”, como áreas com ventilação natural em detrimento do ar-condicionado, construções avarandadas e áreas com natureza preservada maiores, por exemplo, podem provocar uma revalorização das cidades do interior, condomínios horizontais e ao desenvolvimento de materiais construtivos específicos.

“Muitos vão se sentir inseguros em locais fechados, então a rua deverá ser mais povoada. O confinamento também fez com que as pessoas vissem como o espaço da casa é importante. Se vão passar mais tempo lá, vão precisar que a casa atenda necessidades também do trabalho, que tenham espaço e tecnologia para isso. Novos materiais que promovam maior assepsia, inertes, que não acumulem poeira, vidros autolimpantes devem ser cada vez mais utilizados. Hoje, a maneira que construímos é insustentável e vamos precisar usar da criatividade para sermos inovadores”, destaca o arquiteto.

A reorganização das cidades é ponto fundamental também na análise do presidente da construtora EPO, Gilmar Dias. O investimento em saneamento básico e infraestrutura urbana seria não apenas uma opção para reativar a economia de forma rápida e em escala, mas, essencialmente, de melhorar a qualidade de vida da população e minimizar o efeito de outras possíveis crises nos mesmos moldes dessa pandemia que poderão acontecer em um futuro relativamente próximo.

“Precisamos rever a política habitacional das grandes cidades. Essa é uma oportunidade de realizarmos investimentos importantes desde o saneamento básico em si, até a construção das casas. O efeito multiplicador em uma solução dessas seria extremamente positivo. As cidades terão que ser melhores organizadas pela questão da saúde. Acompanhamos agora o setor privado entendendo que o capital pelo capital, sem gerar valor estruturado na sociedade, não se pereniza. O agente financeiro só existe porque tem alguém produzindo e precisamos nos envolver. Essa leitura é natural porque só existe ambiente de negócios porque tem uma sociedade vivendo bem. Quanto melhor as pessoas viverem, mais bons negócios teremos. Esse é um processo natural de entendimento dos novos tempos”, avalia Dias.

Será preciso adaptar modelos já disponíveis

Linhares: não tivemos desabastecimento. Crédito: Divulgação/Sinduscon.

O longo período de isolamento social imposto para tentar desacelerar o avanço do Covid-19 pelo Brasil, que em muitas cidades já se aproxima de dois meses, criou, certamente, uma nova relação entre boa parte das pessoas com suas casas e ambientes de trabalho.

Se, para muitas, a maior parte do tempo era passado no ambiente corporativo e a casa era um lugar pouco frequentado, essa relação se inverteu com a necessidade de home office e o impedimento de atividades ao ar livre ou fora do ambiente doméstico. Além disso, a perspectiva de que uma realidade causada pelo novo coronavírus de que nos próximos dois anos serão vividos com períodos de maior ou menor fechamento, e de que pandemias como essa serão, cada vez mais, comuns, segundo os infectologistas, também impactarão, definitivamente, os espaços de convivência.

De acordo com o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), Geraldo Jardim Linhares Júnior, ter sido considerado um setor essencial e, com isso, não ter paralisado as obras já iniciadas são fatores determinantes para a recuperação do setor ao fim da crise.

“Claro que perdemos um pouco o ritmo por conta do efetivo que foi afastado porque era grupo de risco, mas não tivemos desabastecimento. Essa parte do nosso ciclo de negócios continua. Na parte administrativa as empresas levaram quase toda a estrutura para o home office e muitas tiveram um bom retorno muito nessa prática. A construção civil é uma indústria atípica porque é muito artesanal, não só nos canteiros e também nos escritórios, principalmente na área de suprimentos. Então, essa não é uma experiência fácil, mas tem sido bem-sucedida até aqui”, explica Linhares Júnior.

Ainda segundo o executivo, apesar das dificuldades, as construtoras continuam vendendo. O programa “Minha casa, minha vida” teve uma queda de 20% no volume de vendas e o resultado, considerado muito bom, tem muito a ver com a facilidade de pagamento, na avaliação do Sinduscon-MG. Uma queda um pouco maior acontece entre os imóveis que custam entre R$ 400 mil e R$ 700 mil. Já os de alto padrão mantiveram o ritmo.

Perspectivas

“A confiança dos empresários do setor começa a retornar e temos obras e lançamentos confirmados. Achamos que vamos começar a reverter o mercado favoravelmente a partir do meio do próximo trimestre. Ao mesmo tempo houve uma melhoria na velocidade das aprovações junto ao poder público. Os processos não pararam, ao contrário, tiveram uma celeridade. E esse é um grande gargalo normalmente. O mais importante é que a construção civil puxa a economia, irrigando outros setores. Achamos que vamos fechar o ano e começar o próximo bem favoráveis”, avalia o presidente do Sinduscon-MG.

Para o diretor Técnico da PHV Engenharia, Marcos Paulo Alves, é muito difícil cravar como será o “novo normal”, porém é imperioso já traçar estratégias. A crise acertou o setor quando havia uma recuperação dos preços e queda nos estoques.

“Desde 2013, vínhamos nos recuperando em sucessivos ‘voos de galinha’. O pós-Covid-19 pode ser interessante para o setor porque o investidor de risco, assustado com tudo o que está acontecendo, pode recorrer aos imóveis. Se somos um investimento menos rentável que outros, somos mais seguros e, no atual cenário e, provavelmente, por muito tempo, segurança é o que todos vão procurar”, analisa Alves.

Segundo o presidente da EPO, Gilmar Dias, o ciclo produtivo longo impõe ao setor uma visão de futuro apurada e para atender a demanda imediata, será preciso adaptar modelos já disponíveis no mercado. A expectativa é que os retrofits se tornem mais comuns.

No segmento residencial, a expectativa é de que casas com áreas verdes e apartamentos maiores e com infraestrutura para home office sejam valorizadas. Já o segmento comercial aponta para empreendimentos menores e mais tecnológicos e uma revisão das áreas de convívio com atenção maior aos protocolos de higiene e segurança.

“Essa crise traz uma revisão de valores para a sociedade e isso vai se refletir nos modelos e formas de oferecer os produtos imobiliários. Aprendemos que não precisamos estar todos juntos para trabalhar. Passaremos por uma redistribuição na ocupação dos espaços. As empresas talvez não precisem mais de andares corporativos, mas apenas de salas. Nas casas e apartamentos as áreas verdes, as varandas devem ganhar importância. Se não temos produtos em estoque com essas características, vamos ter que adaptar. O retrofit é uma saída para construtores e investidores nesse momento. Essa é uma oportunidade, inclusive, de requalificação de áreas que estão abandonadas na cidade, havendo o aproveitamento de imóveis públicos e privados que estão fechados ou abandonados”, pontua Dias.

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