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Boom de microapartamentos: cresce demanda por imóveis de até 30m²

Construtoras miram na classe média e em profissionais que buscam imóveis em bairros com bom transporte público. Plano Diretor de São Paulo, que trata do tema, será votado hoje

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Levantamento da plataforma Quinto Andar, com dados de 2022, mostra que as cidades de Fortaleza e Brasília se destacam com a maior participação de unidades com menos de 30 metros quadrados.

Vitor da Costa e Hyndara Freita, O Globo – Da porta de entrada, Daniela Vieira, de 39 anos, vê de uma só vez praticamente todos os detalhes de seu apartamento de 24 metros quadrados, localizado no bairro do Leme, no Rio de Janeiro. Daniela, que morou boa parte da vida em microapartamentos, afirma que a escolha se deu pensando no bolso. Ela não queria sair da Zona Sul e não teria como arcar com um imóvel maior:

— Quem quer morar na Zona Sul e não tem tanta condição opta por apartamento menor, porque cabe no bolso. Aprendi a ser minimalista por causa desses apartamentos, mas, para quem gosta de ter muita coisa, o espaço é pequeno.

E Daniela não está sozinha. Depois da busca por mais espaço na pandemia, a demanda por apartamentos pequenos, mas bem localizados, voltou a crescer, e os microapartamentos vêm ganhando espaço nas grandes cidades, com construtoras investindo no modelo.

Levantamento da plataforma Quinto Andar, com dados de 2022, mostra que as cidades de Fortaleza e Brasília se destacam com a maior participação de unidades com menos de 30 metros quadrados.

Em ambas, a fatia de microapartamentos chega a 44%. Isso significa que, de cada cem imóveis de um quarto anunciados, 44 têm menos de 30 metros quadrados. Em cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo, essa fatia fica em torno de 25%.

Mudança nas famílias

Entre os motivos que explicam o avanço está a mudança na composição das famílias, com redução do tamanho e adiamento da decisão de terem filhos, o custo elevado do metro quadrado e, em algumas cidades, mudanças na legislação urbana — caso do Plano Diretor de São Paulo, que deve ser votado hoje.

— Você tem um perfil de demanda cada vez mais aderente a um apartamento pequeno, levando em conta que cada vez menos as pessoas estão tendo filhos, e cada vez mais o jovem em ascensão econômica quer estar mais bem posicionado em relação à mobilidade urbana nessas capitais — diz o professor de viabilidade do MBA de gestão de incorporações e construções imobiliárias da FGV, Cristiano Rabelo.

Ele pondera que o público-alvo desses imóveis é transitório, já que as unidades tendem a atender as pessoas por um determinado período da vida. Mas os preços mais em conta em relação a imóveis de metragem maior e a localização são atrativos.

— Em regiões que são muito valorizadas, colocar um imóvel maior exige uma demanda com capacidade de consumo mais elevada. Durante a pandemia, muitas famílias sentiram a necessidade de um espaço maior. O problema é que mudar significa ir para uma área mais distante, onde o metro quadrado é mais barato, mas impactaria a mobilidade urbana — afirma Rabelo.

Foi o caso de Daniela. Antes do imóvel no Leme, ela morava em uma unidade ainda menor, de 16 metros quadrados, com a mãe e o irmão em Copacabana. As restrições da pandemia a levaram a buscar alguns metros a mais, porém sem sair do universo dos microapartamentos:

— O que me incomoda é eu querer receber alguém de visita e não ter outro cômodo. É difícil dar conforto para essa pessoa.

Peso da inflação e da queda na renda

Inflação alta, renda curta e a preferência de jovens profissionais por bairros bem servidos de transporte público também alimentam a demanda por microapartamentos no pós-pandemia, além da mudança na composição das famílias. Isso estimula as construtoras a lançarem microapartamentos mais sofisticados, até com pé direito duplo e janelas amplas, voltados para um público de classe média — bem distantes do velho modelo de quitinetes.

Em São Paulo, por exemplo, houve um salto na oferta de microapartamentos. Em 2016, as construtoras lançaram 461 unidades com até 30m2 na capital paulista. Já no ano passado eram 16.261 unidades à venda, segundo dados do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi).

O Plano Diretor da cidade, aprovado em 2014 e sob revisão agora, contribuiu para esse salto. Na época, a legislação priorizou a construção de prédios próximos a corredores de ônibus, estações de metrô e de trem. Foi reduzido o valor da outorga paga pelas construtoras no caso de unidades habitacionais de até 50m2, a fim de estimular apartamentos menores e mais baratos em regiões servidas por transporte público.

Aluguel via plataformas

Outra proposta do Plano Diretor era que os apartamentos grandes tivessem somente uma vaga de garagem, o que, na prática, acabou sendo burlado. Quem tinha um microapartamento com vaga que não era usada acabava vendendo ou alugando para os vizinhos.

— Além de ter sido induzido pelo Plano Diretor, esse movimento atende a necessidade de pessoas que querem acessar imóveis com uma boa localização e um tíquete mais baixo. São imóveis muto bem localizados, normalmente em bairros de classe média e média alta, e próximos de linhas de transporte — destaca o economista-chefe do Secovi-SP, Celso Petrucci.

O diretor comercial da Setin Incorporadora, Evanilson Bastos, ressalta que houve uma demanda maior por esse tipo de imóvel nos últimos meses, principalmente por quem busca renda via locação de imóveis:

— Há também um público que procura a vida mais prática e simples ao morar em apartamentos pequenos que oferecem áreas compartilhadas nos espaços comuns.

Tendência de mercado

A Setin lançou 1.065 unidades tipo studio nos últimos cinco anos em São Paulo, com tíquete médio variando entre R$ 390 mil e R$ 507 mil.

Já a Plano&Plano lançou 7.582 unidades abaixo de 30m2 na cidade de São Paulo entre 2017 e 2022.

Petrucci, do Secovi-SP, afirma que muitos empreendimentos devem ser entregues em São Paulo a partir de 2024, o que gera certa ansiedade sobre se haverá demanda existente.

Segundo a professora do Insper e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Bianca Tavolari, que acompanha de perto a legislação urbanística da cidade, o boom de microapartamentos na capital paulista é fruto de vários fatores, que vão desde a própria legislação até uma tendência de mercado voltada à locação temporária.

— A legislação não produz a paisagem sozinha. O Plano Diretor dá desconto para construção de unidades menores. Mas também há uma tendência de mercado. Outro ponto é que há unidades pequenas que são licenciadas como unidades não residenciais, destinadas a moradia e hospedagem temporária para plataformas como Airbnb e Booking — explica Bianca.

O secretário adjunto da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo, José Armênio de Brito Cruz, concorda:

— O produto acabou seduzindo os investidores, porque tem uma modulação fácil.

SP vota novo plano diretor

Diante do boom, a prefeitura da capital paulista decidiu alterar o Plano Diretor. O texto deve ser votado hoje.

O projeto aumenta a cobrança para apartamentos de até 30m2, mas mantém os incentivos para apartamentos de 31 a 70 metros quadrados. Inicialmente, a prefeitura havia proposto uma cobrança maior para apartamentos de até 35 metros quadrados, mas o Legislativo mudou o texto.

O Plano Diretor também altera as regras para vagas de garagem de apartamentos menores: aqueles com menos de 30m2 não terão mais direito a ela.

Para Bianca, o novo Plano Diretor não impõe um freio aos microapartamentos. Mas ela já vê um resfriamento do próprio mercado.

Cristiano Rabelo, professor da FGV, no entanto, avalia que a oferta desse tipo de imóvel vai se manter:

— O modelo de microapartamento cai bem em regiões onde o preço do metro quadrado é muito alto e onde há oferta de transporte público

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