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Nova lei vai permitir a construção de mais um andar em edifícios do Rio mediante pagamento de taxa à prefeitura

Urbanistas e vereadores da oposição criticam proposta do Executivo, que foi para a sanção do prefeito Eduardo Paes

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A vista do alto da Zona Sul do Rio: proprietários podem regularizar puxadinhos e o fechamento de varandas, além de licenciar a construção de um novo andar. Basta pagar. Foto: Custódio Coimbra.

Selma Schmidt e Roberta de Souza, O Globo – Um novo projeto de lei complementar do Executivo, aprovado na última quinta-feira pela Câmara Municipal do Rio, vai além de recriar o mecanismo conhecido como “mais-valia”, que regulariza acréscimos feitos em edificações em desacordo com a legislação, com o pagamento de taxa. Agora será instituído o “mais-valerá”, mecanismo que permite licenciar um andar acima do gabarito em futuras construções, mediante contrapartida.

O mesmo texto vai beneficiar donos de hotéis construídos para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, que receberam isenções fiscais: eles poderão ser transformados em residenciais e hospitais em qualquer área da cidade e em outros tipos empreendimentos, desde que o zoneamento permita. Mas também deverão pagar uma quantia à prefeitura.

A aprovação da nova versão do “mais-valia” — por 33 votos a 12, com a inclusão de 17 emendas, e que ainda depende da sanção do prefeito Eduardo Paes — provocou reação de urbanistas e parlamentares. As críticas são de que o projeto descaracteriza a cidade e que mudanças urbanísticas deveriam entrar no contexto das discussões em curso do novo Plano Diretor. O subsecretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Thiago Dias, porém, alega que o debate sobre o plano “não pode paralisar o governo”.

Para o urbanista Washington Fajardo, o “mais-valerá” é nocivo para o Rio:

— A prefeitura ficou viciada numa receita, que parece que é boa, mas que tem origem na bagunça da cidade. Isso faz com que o governo se converta em sócio da bagunça. O “mais-valerá” é diferente do “mais-valia”. Com o tempo, as pessoas fazem seus puxadinhos, e é justo que regularizem. O “mais-valerá” tem outra lógica. Na hora de licenciar, você paga para regularizar algo sem base na legislação. Isso contraria o Plano Diretor, que pode trazer soluções, como a outorga onerosa (construir acima de parâmetros legais, obedecendo a um planejamento).

Segundo Fajardo, com o mecanismo, o Rio fica mais desorganizado:

— Cria-se um ornitorrinco urbanístico. Parece um mamífero, mas tem bico de pato e patas. Que bicho é esse? Nenhuma outra capital tem.

Membro da Comissão Especial do Plano Diretor, o vereador Pedro Duarte (Novo) também considera o “mais-valerá” uma distorção:

— A discussão de gabarito, de potencial construtivo, de capacidade dos bairros tem que ser feita no âmbito do Plano Diretor, que exige audiência pública, tem participação popular e tem regras claras.

Integrante da mesma comissão, a vereadora Thais Ferreira (PSOL) destaca que a proposta aprovada vai contra a legislação urbanística vigente e deslegitima projetos de lei em discussão, como o de Uso e Ocupação do Solo e o do Plano Diretor:

— Não se trata da regularização de autoconstrução para fins de habitação de interesse social e sim legalizar construções que seriam proibidas pela legislação municipal e que, com essa medida, podem ser regularizadas, mediante pagamento. O Executivo deveria priorizar a mitigação do déficit habitacional com a construção de novas moradias e os programas de regularização fundiária.

Aprovação inoportuna

A coordenadora da Comissão de Política Urbana do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio, Rose Compans, diz que é inoportuna a aprovação do projeto:

— O Plano Diretor do Rio vem acompanhado de uma legislação que estabelece todos os parâmetros urbanísticos para a cidade. O gabarito, por exemplo, é um ponto fundamental não só para a aparência da cidade como para o clima e o bem-estar dos moradores. Aumentar um pavimento pode significar um adensamento no bairro, que, feito sem estudo, pode ser perigoso.

Outro ponto do projeto que preocupa o conselho é a emenda que autoriza a transformação de hotéis em unidades hospitalares.

— Permitir que hotéis localizados em ruas movimentadas se tornem hospitais sem qualquer estudo sobre o impacto que ele vai causar na poluição sonora, atmosférica, no sistema viário e no dia a dia dos moradores é um absurdo. Um hospital traz um volume gigante de lixo, de tráfego e pessoas, mudando de forma brutal um bairro residencial — explica Rose.

O subsecretário de Desenvolvimento Econômico pondera que o “mais-valerá” deve ser visto levando em consideração o critério de Justiça:

— Imagina se um vizinho pode regularizar uma construção, e você, que quer fazer a mesma coisa repeitando a legislação, não consegue? Estamos dando as mesmas condições para um e para outro.

Para Thiago Dias, a crítica faz parte do processo democrático:

— Mas não vejo malefício nem incompatibilidade de o projeto ser aprovado num momento em que se discute o Plano Diretor. Os dois têm naturezas distintas. Não se pode colocar todos os assuntos no Plano Diretor.

Além de licenciar mais um pavimento em quase toda a cidade (há exceções pontuais), o projeto aprovado permite fechar varandas e coberturas, mediante pagamento. Os pedidos de licença e regularização devem ser feitos em 180 dias, prorrogáveis por mais 90, após a sanção da lei, de acordo com emenda aprovada.

Além de licenciar mais um pavimento em quase toda a cidade (há exceções pontuais), o projeto aprovado permite fechar varandas e coberturas, mediante pagamento. Os pedidos de licença e regularização devem ser feitos em 180 dias, prorrogáveis por mais 90, após a sanção da lei, de acordo com emenda aprovada.

O subsecretário não tem uma estimativa de quanto o novo projeto, se virar lei, pode representar em arrecadação. Com a Lei 192, de 2018 (de mais-valia), entraram no Tesouro quase R$ 110,4 milhões. A Lei 219, de 2020, está suspensa pela Justiça.

Demanda por hospitais

Para o líder do governo na Câmara, vereador Átila A. Nunes (PSD), a lei vai amparar os moradores que deram entrada no processo de regulamentação antes de a lei anterior ser derrubada pela Justiça. Segundo ele, a conversão de hotéis em hospitais e clínicas se propõe a atender a uma demanda da população por equipamentos na área de saúde. Ele também ressalta que o projeto vai aumentar a arrecadação dentro da cidade.

— O “mais-valerá” também vai permitir ativar a economia do município por via de uma das principais locomotivas de qualquer cidade no mundo, a da construção civil, importante como geradora de empregos, impostos e oportunidade de negócios — defende.

O que está na nova proposta

Gabarito. Tanto para a regularização de puxadinho feito em desacordo com a legislação urbanística, como para o licenciamento de obra nova, a proposta permite a construção de um andar acima da legislação do local, mediante pagamento de taxa. Os valores variam conforme a área e a localização do imóvel. O benefício vale para quase a totalidade da cidade, ficando fora alguns trechos, por exemplo, da Barra da Tijuca.

Varandas e coberturas. Podem ter a área totalmente coberta. A autorização também depende de contrapartida financeira do interessado. A medida vale para regularização e licenciamento.

Prazo. Por emenda ao projeto feita pela Câmara, o interessado tem 180 dias, prorrogáveis por 90, após a sanção e a publicação da lei, para ingressar com pedido de regularização ou licenciamento.

Reconversão. Hotéis licenciados para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016 poderão transformar o uso do imóvel, pagando por isso. Podem ter ou não habite-se. A medida vale para qualquer área da cidade no caso de residenciais e de hospitais e clínicas. A taxa no caso de a opção ser por unidades de saúde, a taxa fica 5% mais cara, porque, segundo o subsecretário de Desenvolvimento Econômico, Thiago Dias, “estressam mais o tecido urbano”.

Hotéis. Segundo a prefeitura, 11 hotéis podem ser beneficiados pela futura lei: quatro na Barra da Tijuca, dois em Copacabana, um em Jacarepaguá, três no Centro e um em Botafogo.

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