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Monotrilho até Congonhas: obras e trens devem custar mais R$ 2,7 bilhões; entrega era para 2014

Contrato com empresas responsáveis pela construção foi rompido e agora governo de SP estuda opções para conseguir entregar a Linha 17-Ouro em 2026

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Emilio Sant’Anna, O Estado de S. Paulo – Depois de nove anos de atraso e R$ 2,4 bilhões investidos, as obras da Linha 17-Ouro do Monotrilho chegam ao meio de 2023 mais uma vez paradas. Na segunda-feira, 22/05, o contrato com as empresas responsáveis pela construção foi rompido. Com 80% do projeto realizado, colocá-lo em funcionamento deve custar ainda cerca de R$ 2,7 bilhões em construção civil, compra de trens e instalação de sistemas. A projeção de custos foi feita pelo governo do Estado em março.

Restam agora três opções ao poder público paulista: fazer nova licitação, convocar a terceira colocada no último certame ou repassar o contrato para a concessionária que ganhou a concorrência para a operação do serviço.

A Linha 17-Ouro ligará o Aeroporto de Congonhas à estação Morumbi, da Linha 9-Esmeralda da CPTM, e deveria estar em operação desde 2014. Ela seria um legado da Copa do Mundo no Brasil, mas só deve começar a funcionar no primeiro semestre de 2026. A linha é vista como importante por interligar de forma direta o aeroporto à rede de transporte, além de atender a um trecho populoso da zona sul da cidade. Paraisópolis, onde a linha deve passar, é a segunda maior comunidade da capital.

Na Avenida Jornalista Roberto Marinho, na zona sul, as obras do monotrilho deixam clara a paralisação. Por lá, é possível ver árvores atingindo a altura dos trilhos e passando entre as vigas. Nas estações, a falta de acabamento e escadas rolantes envoltas em plástico azul também denunciam que ainda falta muito para que os trens comecem a correr por ali.

Diante do atraso no cronograma de execução das obras, o governo do Estado e o Metrô vinham exigindo um plano de recuperação dos prazos. Em março, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) já havia adiantado o desfecho do contrato com as construtoras Coesa e KPE (as empresas formam o Consórcio Monotrilho Ouro), iniciado em 2021, na gestão João Doria (então no PSDB). “Vamos rescindir o contrato, vamos punir a empresa e buscar alternativas”, disse Tarcísio, naquele mês.

Na última segunda, o contrato foi rompido. “As exigências se intensificaram a partir de janeiro e, diante da morosidade da contratada em demonstrar sua capacidade de retomar o ritmo das obras, o Metrô concluiu o processo de rescisão contratual”, afirma a companhia. “Para a tomada de decisão, o governo do Estado e o Metrô avaliam tanto os aspectos jurídicos como também as condições técnicas necessárias para que a Linha 17-Ouro entre em operação até o primeiro semestre de 2026.”

Além do rompimento, o Metrô multou o consórcio em mais de R$ 118 milhões, e suspendeu sua participação em novos contratos públicos pelo prazo de dois anos. “A decisão não afeta o ritmo de fabricação dos trens e de instalação de sistemas. Inclusive, seguindo o cronograma previsto, o Metrô envia, em agosto, técnicos à China para acompanharem os testes dos sistemas e material rodante”, diz a empresa.

Ante o tamanho do atraso nas obras, a primeira opção para o Estado, fazer nova licitação, representa também a solução mais demorada. Especialistas consultados pelo Estadão veem na medida um problema adicional.

“O problema de uma nova licitação é que o futuro licitante fica inseguro de assumir uma obra inacabada. Se algo não tiver sido executado corretamente, ninguém vai querer assumir esse risco, tendo chance da licitação ser deserta”, diz Augusto Dal Pozzo, professor de Direito Administrativo da PUC-SP. “Isso requer expertise na hora de modelar a licitação e o contrato.”

O contrato agora interrompido não foi o primeiro. No fim de 2015, as construtoras Andrade Gutierrez e CR Almeida, que tocavam a obra, tentaram romper o acordo na Justiça, fazendo críticas à gestão do Metrô. No mês seguinte, a companhia rompeu unilateralmente o contrato. O Ministério Público Estadual (MPE) abriu inquérito civil para apurar o caso.

Agora, o contrato pode acabar sendo repassado ao Consórcio Paulitec-Sacyr, o terceiro colocado no último certame, para continuar a construção. “Convocar o consórcio pode ser muito complicado para ele porque a primeira coisa a saber é: agora, o que falta?”, diz o arquiteto e urbanista Flamínio Fichmann, coordenador do Grupo de Mobilidade Urbana da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).

Segundo ele, é preciso clareza do governo sobre itens que fazem parte do contrato e não estão diretamente ligados à construção civil. “Não é só o problema da conclusão das obras, que já foram 80% finalizadas, segundo o Estado, mas saber qual vai ser a dinâmica para a instalação do sistema de sinalização (responsável pela operação do modal) e dos próprios trens”, afirma Fichmann.

Em nota, o Consórcio Monotrilho Ouro informou que entrou com recurso administrativo contra a decisão de rompimento do contrato. “O Consórcio entende que demonstrou, quando da apresentação da sua defesa, que os descumprimentos contratuais por parte do Metrô inviabilizaram a continuidade da execução das obras, causando enorme prejuízo”, destacou.

ViaMobilidade diz estudar o projeto

Por fim, a terceira opção analisada pelo governo do Estado é repassar à ViaMobilidade, da CCR, o contrato de construção. Ao firmar o contrato de administração da Linha 5-Lilás, do Metrô, a concessionária também levou a concessão da linha 17-Ouro. “Seria repassar a obra para concessionária que vai fazer a operação e esse recurso da obra em vez de ir para empresa contratada para fazer a obra iria para a concessionária”, disse nesta semana. O governador Tarcísio vê nisso uma forma de acelerar a entrega para o final do ano que vem ou início de 2026.

Além da Linha 5, do Metrô, a concessionária é a responsável pela administração da Linha 4-Amarela e das Linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda, da CPTM. Nessas duas, uma série de problemas recorrentes na manutenção e acidentes com os trens fez com que o Ministério Público chegasse a pedir a extinção do contrato. Tarcísio, no entanto, defendeu a manutenção.

A concessionária afirma já ter sido consultada pelo Estado. “A pedido do poder concedente, a ViaMobilidade estuda o projeto de retomada das obras da Linha 17-Ouro”, diz a empresa.

Apesar do entusiasmo do governador com a possibilidade, essa saída pode levar a novos atrasos não previstos. Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, esse aditamento do contrato com a ViaMobilidade pode ferir a Lei de Licitações por mudar o objeto do contrato.

Para o professor da PUC, essa medida deve trazer problemas adicionais ao imbróglio em que se transformou a conclusão da Linha 17, do monotrilho. “Vejo risco, especialmente por violação ao princípio da licitação. Esse aditivo poderá ser impugnado”, afirma Dal Pozzo.

Expectativa x realidade

Quando o projeto foi lançado, ainda na primeira década deste século, pelo Estado, o monotrilho foi apresentado como um modal “moderno” e com implementação mais rápida que o metrô. De acordo com o relatório Integrado de 2022 do Metrô, além de mais barato que seu primo que corre por baixo da terra “pelo baixo volume de desapropriações por alocar-se no eixo das avenidas, liberando o sistema viário para os demais veículos”, o sistema é mais “limpo”.

Segundo o documento, o modal representa economia de tempo de deslocamento, baixos volume de desapropriações e de ruídos, além de não emitir gases geradores do efeito estufa, por ser um veículo elétrico. Para sua instalação, a companhia identificou que o volume de passageiros nos dois sentidos seria constante e calculou a redução de poluentes atmosféricos assim que ele estiver operando: 226 toneladas por ano.

Com a opção dos passageiros pelo monotrilho, na Linha 17, a redução na emissão de gases do efeito estufa, de acordo com o relatório, será da ordem de 25.711 toneladas por ano, e o consumo de combustíveis: 11,7 milhões litros por ano a menos.

Apesar disso, modelos bem-sucedidos de monotrilhos mundo afora são raros de encontrar, diz Fichmann Segundo ele, um dos raros casos é o de Tóquio, onde a operação e a manutenção são feitas com “a precisão de um relógio suíço”. “Não vejo porquê daria certo aqui, é uma tecnologia decadente em um modal de média capacidade de transporte. Não existe essa tendência em lugar nenhum do mundo. Ao mesmo tempo, veja o mapa do BRT (Bus Rapid Transit) e do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos)…”, afirma.

Coordenador do Grupo de Mobilidade Urbana da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), ele não vê aspecto que justifique essa escolha e diz que trata-se de uma tecnologia “já sepultada”. “É uma tecnologia que não foi bem desenvolvida e de segurança falha. Veja a linha 15-Prata, estamos constatando que será muito difícil ter uma operação de boa qualidade”, afirma Fichmann.

Sobre o futuro do monotrilho, ele vê uma encruzilhada. “Fomos totalmente enganados no prazo, na eficiência e nas vantagens. É um dilema. Muito já foi gasto, devemos continuar?”, diz.

Para Dal Pozzo, qualquer uma das três soluções que o governo adotar trará perdas inevitáveis. “Esse é aquele tipo de situação que não tem solução boa, infelizmente”, afirma. “Qualquer uma delas tem benefícios e malefícios.”

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