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Construção reciclada: retrofit vira tendência, e empresas criam selo e setor para desenvolver técnicas

Além do Centro do Rio, com 21 projetos licenciados, modelo de retrofit entra na Zona Sul, reformando palacetes e prédios

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Palacete histórico da Rua Visconde de Ouro Preto, em Botafogo, será reformado e terá um bloco atrás. Foto: Fábio Rossi.

Selma Schmidt, O Globo – Em vez de colocar abaixo um prédio na Avenida Afrânio de Melo Franco, no Leblon, a Mozak vai transformá-lo num edifício corporativo moderno. O empreendimento ainda não foi lançado, sequer tem tabela de preços, mas está com cerca de 40% dos espaços reservados. O chamado retrofit — que consiste em recuperar imóveis, por vezes com mudança de seu uso — virou tendência na construção civil carioca e caiu no gosto popular. Mesmo que muitas vezes o custo da obra seja maior do que começar a edificação do zero, tanto no caso de imóveis tombados e preservados, em função das exigências impostas, como de edificações não protegidas, devido à falta de experiência dos construtores.

A aposta no que o arquiteto e urbanista Washington Fajardo chama de “reciclagem da construção” tem introduzido mudanças nas empresas para oferecer o novo produto. O Brix Fundo de Investimento Imobiliário criou um selo, B.8 (B, de Brix, e 8 que remete ao infinito), para seus empreendimentos da linha retrofit. E a Mozak implantou um setor só para desenvolver técnicas de engenharia para a preservação de materiais antigos.

Apenas na área do Reviver Centro (inclui Lapa), entre as 25 licenças concedidas desde julho de 2021 pela prefeitura, 21 — com 1.408 unidades residenciais — são para retrofits. Um deles, o Enredo, na Rua do Riachuelo, onde funcionou o Hotel Nice, tem apartamentos do tipo studio, que variam de 25 a 52m2. Lançado em fevereiro, tem estimativa de construção de 15 meses.

— O maior benefício de um retrofit está na velocidade, porque em geral a estrutura do antigo prédio é integralmente aproveitada, e isso agiliza o andamento da obra — ressalta engenheiro Renato Rembischewski, da Klacon, que constroi o Enredo.

No Glória, 4 quartos a R$ 5,75 milhões

Embora sem as vantagens do Reviver, na Zona Sul também se observa várias reformas, a começar pelo emblemático Hotel Glória, que vai se transformar num residencial. Lá, o preço mais caro, de um quatro quartos, chega a R$ 5,75 milhões. Diferentemente do Enredo, no novo Glória o aproveitamento da estrutura tem sido um complicador:

— Precisamos fazer um acréscimo de mais de 500 estacas não previstas — explica Octávio Grimberg, sócio-fundador da Sig Engenharia, responsável pela obra do Glória.

Da mesma Sig, o IPA, que está sendo implantado no lugar onde funcionou o Everest Hotel, de 1975 a 2020, na Rua Prudente de Morais, em Ipanema, a construtora também está precisando refazer a estrutura. Para Grimberg, o fator mais positivo em relação a construir um prédio do zero, no caso do IPA que não é tombado, é manter as normas urbanísticas vigentes na época do edifício antigo, inclusive gabarito.

— O prédio é antigo. Estamos tendo que fazer reforço estrutural, o que demanda tempo e encarece o custo — afirma ele.

Previsto para ficar pronto no fim de 2025, o IPA terá apartamentos tipo studio, de 37 a 81m2, que custam entre R$ 1,78 milhão e R$ 5 milhões e contam com serviços e cobertura de uso comum com vista privilegiada. A entrega está prevista para julho de 2025. Das 190 unidades, 108 foram vendidas, a maioria para estrangeiros e empresas de fora do Rio, possivelmente para instalar seus funcionários.

“Prédio novo, vida nova”

Entre os compradores, a advogada Maria Antônia de Castro Carneiro se mostra satisfeita com o quarto e sala, de 30m2, que adquiriu no Paysandu 23, no Flamengo. A Piimo transformou o antigo Hotel Paysandu, em estilo art déco, fechado no início de 2017, num residencial com 50 unidades, sem garagem, entregue em março. Maria Antônia, que mora em outro apartamento próprio no mesmo bairro, aguarda que o imóvel da Rua Paissandu seja mobiliado para se mudar.

— Prédio novo, vida nova. Não vou levar nada do atual apartamento. E vou morar num edifício histórico, bonito, impactante, perto da praia — elogia ela, que vive 40 de 60 anos no Flamengo.

O porteiro André Vinícius Teixeira conta que a maioria dos donos de unidades do prédio é jovem. Aos 30 anos, só há pouco tempo soube da principal história do Paysandu:

— A seleção do Uruguai que venceu o Brasil na Copa do Mundo de 1950 se hospedou aqui.

Sócio da Piimo e presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio (Ademi RJ), Marcos Saceanu, diz que “os retrofits são empreendimentos belíssimos e únicos, mas com uma dificuldade de execução grande”. Os desafios são muitos, acrescenta:

— Você pega um prédio que, até pela idade, não tem plana original, e precisa fazer investigação para saber qual é a saúde estrutural dele, tem que trocar todas as instalações, planejar plantas respeitando as esquadrias preexistentes. Tive que fazer uma escada nova no Paysandu 23, porque a existente não atendia às normas atuais do Corpo de Bombeiros. Ainda tinha a questão da fachada tombada e os aparelhos de ar condicionado não poderiam ficar ali. Tive de colocá-los num prisma, numa área técnica na lateral do prédio.

Saceanu estima entre 20% e 25% o encarecimento do metro quadrado de obra de retrofit no Rio em relação a novas construções. Fajardo fala em 30% em média, podendo chegar a 50%.

— O retrofit é uma tendência, mas estamos muito atrasados no Brasil para esse assunto. Na Europa, 60% do setor da construção civil é de reforma. Nos Estados Unidos, pela primeira vez, agora o número de projetos de arquitetura contratados para fazer retrofit é maior do que para prédios novos. Como é novidade para a gente, não sabemos fazer direito. Não se tem uma cultura de construção que saiba fazer tanta reforma. Por consequência, os custos de reformar ainda são elevados — afirma Fajardo.

Imóveis tombados: maior objetividade

O secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Chicão Bulhões, é mais um a bater na tecla de que os grandes desafios para o retrofit são os preços.

— Um bem tombado também muitas vezes fica degradado e cai, em razão de normas impeditivas para que se faça um retrofit. Esse é um debate importante a nível nacional — avalia Chicão. — O que facilita nas normas relacionadas aos tombamentos é que se tenha uma objetividade maior em relação aos licenciamentos, que se saia dos elementos meramente subjetivos, que criam impasses, aumentam custos e não necessariamente são fundamentais para a preservação daquele bem. Às vezes, é discutida a cor de uma janela, se deveria ou não colocar uma treliça, se poderia ou não passar um cabeamento para colocar computadores no local.

Quanto ao imóvel da Afrânio de Melo Franco, que não é tombado e tem pouco mais de 30 anos, o presidente da Mozak, Isaac Elehep, diz que o retrofit tornará a obra mais barata e mais ágil do que se fosse um prédio tradicional. Vantagens, frisa ele, que não se aplicam para muitos dos retrofits. Isaac cita ainda benefícios da reforma, tanto ambientais quanto de conseguir licenciamento com base na legislação urbanística da época em que a edificação foi erguida:

— A opção pelo retrofit é uma escolha sustentável por conseguir reaproveitar estrutura existente e evitar que se gere ainda mais resíduos oriundos da construção. Além disso, em alguns casos é a melhor alternativa pra a viabilização do projeto. A legislação vigente é bem diferente da antiga, se fossemos demolir o prédio existente hoje perderíamos potencial construtivo, teríamos um prédio com menos andares, áreas privativas menores, entre outras coisas.

No prédio da Afrânio, fechado há anos, funcionava uma única empresa. Pelo novo projeto, em cada um dos oito andares, haverá quatro espaços, cada um deles tendo entre 100 e 150m2. A obra deve ser executada em um ano e meio. Já a fachada é assinada pelo arquiteto Ivan Rezende.

— Será uma fachada moderna, minimalista, despojada e acolhedora — diz Isaac.

Apartamentos em palacetes

A Mozak tem outros retrofits no seu portfólio. O Guilhermina, onde funcionou o antigo Colégio Saint Patrick, no Leblon, que virou um centro comercial, é um deles. No mesmo bairro, há o Severiano, que permitiu a reabertura do Cine Leblon e criou um centro comercial. Mais um empreendimento é o Era, lançado na Rua Dona Mariana, em Botafogo. Um palacete histórico vai virar um multifamiliar, e nos fundos será erguido um prédio. Os apartamentos têm preço inicial de R$ 689 mil. Na mesma rua, já em fase adiantada, há outro empreendimento, da construtora Bait, no terreno onde funcionou a clínica do cirurgião plástico Ivo Pitanguy: o casarão está sendo reformado para virar área de lazer, e dois blocos de apartamentos estão sendo construídos.

Ainda em Botafogo, o Raro começa a ser implantado em setembro, num palacete Art Déco da Rua Visconde de Ouro Preto: o casarão ganhará 12 unidades, e um prédio atrás, outras dez. É o segundo empreendimento com selo B.8 a ser implantado pelo Brix. Entre os destaques do palacete, estão pisos de mármore, fabricados na década de 1920, presentes no hall, colunatas, vitrais e escada imponente. Haverá unidades de um, dois e três quartos, de 47 a 193m2. Os preços são a partir de R$ 18 mil o metro quadrado. Estão vendidos 75% do palacete e 60% do bloco.

— Muitos elementos originais do palacete, que estava fechado há muitos anos, encantaram os clientes que não querem trocar; querem preservar, trazer essa história para a história deles também — comenta Luiza Treiger, diretora comercial do Brix.

O primeiro lançamento com selo B.8 foi o Puro, no Jardim Botânico. O próximo deverá acontecer ainda este ano, provavelmente de um imóvel em Ipanema.

Para Pedro da Luz, coordenador da pós-graduação em arquitetura e e urbanismo da UFF, o retrofit é importante para a revitalização da cidade, mas precisa também servir como mecanismo para reduzir o déficit habitacional, atendendo pessoas de menor poder aquisitivo:

— Indústrias que fecharam, prédios e galpões abandonados poderiam ser reformados para a construção de casas para a população de baixa renda, através de programas como o Minha Casa, Minha Vida.

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