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A nova fronteira para o futuro da construção

O mercado exige respostas firmes da construção não somente para atender o crescimento da demanda, mas em todas as perspectivas, inclusive em direção às melhores práticas de ESG e ao netzero

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Na indústria da construção, os problemas de produtividade, qualidade, desperdício de materiais e falta de previsibilidade têm sido sistematicamente debatidos. Trata-se de uma questão estrutural da maior relevância, já que no contexto da indústria, o setor de construção tem sido fortemente criticado por figurar entre os que possuem índices de produtividade mais baixos. Para um setor de tamanha importância econômica e social, a preocupação das maiores empresas globais de consultoria procede.

De acordo com a relatório do congresso Construbusiness 2021 (FIESP), no Brasil perdemos em média, anualmente, 4,4% de produtividade no período entre 2014 e 2019. Em seguida, entre 2019 e 2021, a queda média da produtividade foi de 6,1% ao ano. A perda de atratividade do setor para captar mão de obra direta é também um problema sério e agrava esta situação. Uma confirmação deste fato é que a idade média dos trabalhadores nos canteiros tem aumentado significativamente, mostrando que a população mais jovem tem optado pelo trabalho em outros setores econômicos. Diante deste contexto, a projeção do déficit habitacional brasileiro para 2030 é assustadora ou seja 30,7 milhões de unidades, praticamente o quádruplo do déficit registrado em 2019.

Já é ponto pacífico que a solução para estes problemas passa, necessariamente, pela industrialização da construção. Sabemos que a industrialização não acontece de forma espontânea. A pressão para a redução de custos, melhoria da qualidade e aumento da produtividade gera, num primeiro momento, a racionalização de processos construtivos. Depois disto são introduzidos elementos produzidos pela construção off-site e, no último estágio, evolui-se para a construção modular, através de módulos volumétricos (3D) e painéis (2D).

A pauta da industrialização tem sido colocada como estratégica pelas principais lideranças e entidades setoriais brasileiras do setor de Arquitetura, Engenharia e Construção (AEC). Europa, América do Norte, Austrália, Japão e China, adotaram a construção off-site e modular há décadas, que dobrou de tamanho nos últimos 5 anos e tem crescido a uma taxa superior ao dobro do crescimento da construção tradicional. Estes países têm plena consciência da importância de deslocar o máximo possível das atividades de construção do canteiro de obras para a indústria, o que gera benefícios substanciais, ou seja: ganhos de qualidade, desempenho, sustentabilidade e produtividade. Mais do que isso, não há como atender o crescimento da demanda nos grandes centros urbanos por infraestrutura social, habitacional, educacional, para transportes, saúde e educação, sem a industrialização da construção.

Em artigos e e-books publicados pelo autor, estes temas têm sido explorados e aprofundados, destacando-se a relevância da construção modular e off-site na pavimentação do caminho para a industrialização da construção. Nestas publicações, enfatiza-se a necessidade do embasamento nos seguintes processos:

• Pré-construção, como a metodologia mais ágil e econômica para se chegar a qualquer produto de engenharia pretendido;

• Fast construction, que é a rota mais rápida e direta para compactar e acelerar o processo construtivo;

• BIM (Building Information Modeling), através do projeto colaborativo e integrado, somando-se as competências dos diversos agentes da cadeia de valor envolvidos.

Nestas atividades, a gestão da Pré-construção, para ser eficaz, deve atender as diretrizes do PMBOK®, ou seja, as melhores práticas de gestão de projeto do Project Management Institute (PMI). Metodologias como o Lean Construction, Engenharia Simultânea, Engenharia e Análise do Valor (EAV) e Target Costing ou Custeio Meta, também são utilizadas e muito bem-vindas nesta etapa, adicionando valor através da racionalização e eficácia do projeto. Benefícios relevantes são:  redução custos e garantia da construtibilidade – fluxo ágil e contínuo na etapa subsequente, ou seja, de Construção ou de Produção (fabricação e montagem, no caso da construção modular e off-site).

Com a Indústria 4.0, o avanço da digitalização no setor de construção teve início com a introdução do Building Information Modeling (BIM), que num primeiro momento teve seu uso limitado à etapa de Pré-construção. Os processos de pré-construção ganharam maior agilidade e consistência através de computação em nuvem, de softwares e aplicativos mobile, além do uso da Internet das Coisas (IoT), da automação, da inteligência artificial (IA), de big data, de realidade virtual e realidade aumentada. A visualização dos fluxos de trabalho e a comunicação da equipe de projeto com os stakeholders, com o cliente e seus representantes se tornam mais ágeis, assim como a organização e a automatização de tarefas.

A Pré-construção gera como outputs: planejamento de alto nível, plano de ataque e orçamento executivos, além de um projeto de fabricação em BIM, que atualmente, na construção modular, pode avançar ao menos até a 5ª dimensão (BIM 5D), automatizando boa parte do orçamento através da geração automática de quantidades de insumos e seus custos dos insumos, a partir da inserção das informações no IFC (Industry Foundation Classes). O IFC é um formato de arquivo que contém dados, que permite o intercâmbio de todas as informações de um modelo, sem perda ou distorção de dados, garantindo a interoperabilidade do BIM.

Neste ponto, para avançarmos, vale relembrar as dimensões do BIM:

• 3D: Modelagem (construção virtual);

• 4D: Planejamento (análise do tempo);

• 5D: Orçamentação (análise dos custos);

• 6D: Sustentabilidade (social, econômica e ambiental);

• 7D: Gestão e Manutenção (gerenciamento dos ativos).

A logística e suprimentos de alto nível também se beneficiaram da integração digital das cadeias de valor no setor, através da adoção de processos já utilizados nos setores mais modernos da indústria. Isto é necessário para que a fabricação e a montagem aconteçam a partir da sincronização da cadeia de valor, num modelo just in time, de forma a evitar custos de estoques desnecessários e a garantir uma operação ágil e precisa, de ponta a ponta, passando pelo recebimento de insumos, pelo transporte de componentes industrializados e de módulos, até a montagem de dos mesmos no local da obra.

Há ainda muito a ser feito na etapa de Pré-construção para facilitar o trabalho e aumentar a produtividade, ampliando o uso da realidade virtual e aumentada, do projeto generativo e de gêmeos digitais ou digital twins. Os gêmeos digitais são representações de réplicas virtuais de objetos, processos e sistemas reais. O projeto generativo explora o machine learning e combina o projeto paramétrico à inteligência artificial. Os projetistas informam parâmetros requeridos para o projeto, no software de projeto generativo. A partir daí, o software gera, rapidamente, uma infinidade de opções, com todas as combinações possíveis de solução. A partir deste ponto, os projetistas avaliam os resultados e optam pela melhor alternativa, para atender as necessidades do projeto.  

A qualidade dos projetos atualmente desenvolvidos é muito superior à de 20 anos atrás. As ferramentas de projeto digital utilizadas pelo setor AEC permitem a geração de resultados equivalentes ao das empregadas nos setores mais modernos da indústria.

Olhando agora para a etapa de Produção, com enfoque nas metodologias tradicionais de construção, existem boas metodologias e ferramentas digitais disponíveis para a gestão e controle desta etapa. Mesmo que a Pré-construção tenha sido bem desempenhada, esta etapa representa os maiores riscos e incertezas em qualquer projeto ou empreendimento, em decorrência de:

• Elevada fragmentação dos agentes da cadeia de valor envolvidos na Produção de uma obra e do enorme empenho na integração e gestão dos mesmos;

• Problemas climáticos e;

• Gestão de um grande contingente humano e da segurança, no canteiro de obra.

Aparentemente, a simples missão de “cumprir o planejado” é, na realidade, um enorme esforço de energia para qualquer equipe de Produção competente e bem gerenciada.

No caso da construção modular e off-site, já num nível mais avançado de produção industrializada, em que boa parte da “construção” é transferida para uma fábrica, há empresas especializadas em softwares para a fabricação, geralmente derivados de outros setores industriais, como a indústria automotiva. Não há inconveniente nisso. Afinal, a indústria da construção usa fortemente o setor de fabricação de veículos como benchmark.

Com uma motivação diferente, a RIB SAA, empresa com sede em Viena, na Áustria, é um bom exemplo de desenvolvimento de softwares de gestão e controle da Produção, desenvolvidos exclusivamente para a construção industrializada. Esta empresa possui mais de 20 anos de experiência na pré-fabricação de elementos de concreto armado e protendido e, portanto, conhece bem a construção industrializada de concreto. A partir de sua experiência e conhecimento técnico na fabricação, desenvolveu softwares, com o objetivo de fazer a gestão e controle do fluxo de trabalho de Produção, de forma integrada, digitalizada e automatizada. Os softwares da RIB SAA abrangem desde o planejamento de vendas, gestão da aquisição de insumos e da produção, até a logística de montagem. Com uma interface de usuário intuitiva, o sistema permite o gerenciamento do fluxo de trabalho com facilidade e precisão. Isto independe se os processos de produção estão mais ou menos automatizados ou robotizados ou do layout da fábrica. A plataforma está preparada para “agregar módulos e funcionalidades”, conforme o estágio de evolução do sistema de fabricação.


No que tange aos equipamentos para a fabricação e montagem de painéis e de módulos, houve grandes avanços, atendendo todos os tipos de chassi estrutural: wood frame, light steel frame, estrutura metálica, madeira engenheirada e concreto pré-fabricado. Fábricas modernas, que atendem grande escala de produção são fortemente automatizadas e robotizadas. Exploram IoT, machine learning, bem como sensores e computação em nuvem, para alcançar alta produtividade, evitando falhas, aumentando os padrões de qualidade do produto e a confiabilidade da produção.

Para o setor de construção, priorizar a digitalização na etapa Pré-construção foi determinante para a obtenção de ganhos substanciais de qualidade nos projetos, culminando em um fluxo de construção mais ágil e em produtos de melhor qualidade. Na construção modular e off-site, em especial, estes benefícios são ainda mais amplos e evidentes. A qualidade no detalhamento dos projetos de fabricação de produtos da construção civil em modelos BIM, é equivalente a dos projetos de engenharia mecânica produzidos por setores mais modernos da indústria, em outras plataformas digitais de projeto.

Como se pode constatar, a inovação e a digitalização permitiram avanços significativos nas etapas de Pré-construção e de Produção para as metodologias de construção tradicional e, sobretudo para a construção industrializada.

Particularmente no caso da construção modular e off-site, se fôssemos aplicar a Teoria das Restrições de Goldratt (TOC – Theory of Constrains):

• Que restrição nos impede de obtermos ainda mais precisão, qualidade e produtividade, no estágio global atual da industrialização da construção?

• O que ainda nos afasta de atuarmos, na fabricação e montagem, no mesmo estágio de produtividade e eficácia dos setores mais modernos da indústria?

Vale aqui destacar que por maior que seja o nosso empenho, jamais seremos uma indústria 100% off-site, como a automotiva. Sempre teremos serviços realizados no canteiro de obra (on-site) que poderão, no limite, representar cerca de 15% do total. Obviamente estas atividades sempre serão motivo de um cuidado maior de planejamento, gestão e controle. Mas a “nova fronteira” se localiza justamente no hiato entre as etapas de Pré-construção e de Produção. Não existe um sistema único e competente de planejamento, controle e gestão do fluxo contínuo, que engloba todas as atividades e processos, desde a concepção de um produto ou empreendimento, até a etapa de operação e manutenção. Há um “Vale da Morte”, entre a Pré-construção e a Produção como veremos adiante. Esta é a nova fronteira que precisamos desbravar!

A cadeia de valor da incorporação imobiliária e o grande hiato

Na figura 3, Gomes (2019) apresenta o ciclo de empreendimento imobiliário inserido na cadeia de valor de Porter. As atividades e os tempos estimados de cada uma, foram agrupados por este autor, nas etapas de Pré-construção, Construção e Pós-construção. 

A figura anterior, que contempla o ciclo da cadeia de valor da Incorporação Imobiliária com metodologias tradicionais de construção, poderia ser completada, inserindo-se a etapa de Operação & Manutenção, para que tenhamos todo o ciclo de vida do empreendimento representado. Isso é particularmente importante se considerarmos que cerca de 85% do custo com uma edificação, ao longo do seu ciclo de vida, se dá exatamente durante a sua operação e manutenção.

Porém, a preocupação atual do autor, reside nas etapas das áreas coloridas e, mais particularmente, na interface entre as áreas vinho e verde. Numa análise do fluxo entre as etapas Construção e Pós-construção há continuidade. Isto se justifica uma vez que a responsabilidade pela gestão de ambas é da construtora. Independentemente de ser uma empresa verticalizada, ou de utilizar empreiteiros integrados por ela para realizar a construção.

Por outro lado, a Pré-construção é uma atribuição da incorporadora, ainda que as atividades englobadas nesta etapa sejam terceirizadas. Enquanto a Construção compreende a gestão e controle de atividades executivas físicas, na etapa de Pré-construção são realizadas atividades administrativas, burocráticas, de marketing e vendas e, sobretudo, um grande esforço intelectual de desenvolvimento de soluções de engenharia e de detalhamento das várias etapas do projeto, planejamento, plano de ataque e orçamento.

No ambiente de incorporação imobiliária, as áreas de negócio geralmente têm peso relevante na operação. Muitas vezes as áreas técnicas responsáveis por engenharia e projeto ficam muito pressionadas pela operação e não lhes é concedido tempo suficiente para o desenvolvimento adequado do projeto. Isso é um grande equívoco, com sérias consequências para a etapa de Construção, pela falta de detalhamento e planejamento, além de erros de orçamento, que geram um fluxo descontínuo de produção, problemas de qualidade e de retrabalho, com impacto direto no aumento de custos e redução da margem de lucro do empreendimento.

Além disso, o grande hiato ou descontinuidade do fluxo de trabalho entre as etapas de Pré-construção e de Construção, é hoje, na visão do autor, uma das principais razões do sacrifício da margem ou até mesmo do prejuízo registrado em empreendimentos imobiliários. Aí reside o “vale da morte”. As boas práticas de gestão de projeto sugerem que a equipe de Produção participe da Pré-construção. Sem dúvida isso é importante e diminui o impacto da descontinuidade.

Conforme destacamos, a Figura 3 cobre os processos de incorporação imobiliária aplicados à construção tradicional. Para a construção industrializada mais adequado, na atualização desta figura, mudarmos o nome da etapa de Construção para Produção, inserindo também mais uma etapa de projeto, o Projeto de Fabricação. Na construção industrializada a atividade de logística e suprimento de alto nível, permeia e conecta todas as etapas, desde o planejamento e gestão do suprimento de insumos e componentes industrializados, até a fabricação, transporte, içamento e montagem do módulos e dos componentes produzidos pela construção off-site.

Seja na construção industrializada ou na tradicional, o hiato entre a Pré-construção e a Produção, ou o “Vale da Morte”, pode destruir a geração de valor de um projeto ou empreendimento.

Entre as etapas de Pós-construção e de Operação & Manutenção, também pode haver uma quebra no fluxo de trabalho (segundo ponto de ruptura), uma vez que a responsabilidade por esta etapa é do proprietário do ativo imobiliário. Isso não acontece quando o empreendimento tem, desde a sua concepção, o futuro responsável pela operação como o próprio proprietário do empreendimento. Projetos bem desenvolvidos em modelo BIM já devem conter no IFC os dados e informações relevantes dos sistemas prediais e componentes do ativo imobiliário, para a gestão e controle da Operação & Manutenção explorando a Dimensão 7D do BIM, facilitando e simplificando as atividades e serviços desempenhados nesta etapa, tais como execução de reparos, substituição de lâmpadas e de componentes, etc.

Como resolver então a descontinuidade e o grande hiato entre as etapas de Pré-construção e de Construção, ou de Produção (fabricação e montagem)?

Breve histórico do desenvolvimento das ferramentas de projeto digital

Na engenharia mecânica, os projetos digitais avançaram muito antes do que no setor de construção. O engenheiro francês Pierre Bézier, da Renault, desenvolveu o UNISURF, em 1968, para o desenho de peças automotivas. O UNISURF é considerado o precursor do CAD (Computer Aided Design). No final da década de 1970 e início da década de 1980, surgiram empresas especializadas no desenvolvimento de softwares com base no CAD, como a Dassault Systèmes e a Autodesk. Com isso, o CAD passou a ser mais utilizado e difundido.

A Autodesk foi fundada em 1982 e, um ano depois, lançou o AutoCAD, o primeiro programa CAD significativo para PCs, utilizado, sobretudo, para o detalhamento de desenhos técnicos. O CAD deu nova dinâmica ao mercado, com recursos que facilitaram o detalhamento, a revisão, a análise e a coordenação de projetos. A Dassault Systèmes, criada em 1981, passou a liderar iniciativas de projeto digital sobretudo nas indústrias automotivas e aeroespaciais, com a visão de transformar e expandir o status quo, em um design de produto virtual e integrado, já em plataformas 3D,

No setor de construção, a complexidade dos projetos passou a exigir um nível elevado de precisão, confiabilidade na comunicação e na transferência e compartilhamento de dados que as ferramentas da plataforma CAD já não podiam oferecer. Na década de 1970, o primeiro conceito bastante similar ao BIM, Building Product Model (BPM) ou Modelo de Produto de Construção, foi atribuído ao professor Charles M. Eastman.

Em 1974, o professor Eastman e uma equipe do Instituto de Tecnologia da Georgia, apresentaram o conceito Building Description System (BDS), ou Sistema de Descrição da Construção. Segundo Eastman et al. (1974): – “o sistema BDS foi iniciado para mostrar que uma descrição baseada em computador de um edifício poderia replicar ou melhorar todos os pontos fortes de desenhos como um meio para a elaboração de projeto, construção e operação, bem como eliminar a maioria de suas fraquezas.”. Este conceito foi essencial para a mudança dos projetos e documentos em papel, para os projetos digitais, utilizando softwares para agilizar e facilitar o trabalho de projeto e a produção de desenhos técnicos, os chamados CAD (Computer Aided Design).

Em 1992, seguindo as diretrizes de Eastman, G. A. van Nederveen e F. P. Tolman publicaram um artigo sobre a modelagem de informações da construção, útil para estruturar um modelo único de construção, consolidando a visão dos diferentes participantes da elaboração de um projeto. Trata-se da primeira utilização do termo Modelling Building Information, que evoluiu para o Building Information Modeling (BIM). Foi uma mudança de paradigma, explorando um sistema computacional para o gerenciamento, controle e integração dos processos, tecnologias e documentos utilizados nos projetos de construção.

Na década seguinte, surge a modelagem 3D no setor de Arquitetura, Engenharia e Construção, através do BIM, permitindo a inserção, em um ambiente virtual, de todas as ferramentas utilizadas até então em papel, com maior eficácia na comunicação e colaboração entre a equipe de projeto e todos os stakeholders. Em 2002, a Autodesk adquiriu o Revit, software de modelagem paramétrica criado em 1997 pela Charles River Software, que possibilitava projetar não somente os elementos de arquitetura, como também todos os objetos das demais especialidades de projeto.

Em 2001, para complementar os pacotes de projeto 3D do Revit, a Autodesk lançou o Navisworks, que permite a combinação de modelos 3D, a gestão e compatibilização de projetos (incluindo a verificação de interferências) e a geração de imagens e de animações 3D

Em 2003, a Autodesk e a Bentley tiveram papel essencial na adoção e difusão do BIM, em uma conferência de construção civil em Seattle, nos EUA, quando a nova tecnologia foi apresentada à General Services Administration (GSA), o órgão máximo de gestão de edificações públicas nos EUA. Após este evento, evidenciou-se a necessidade de uma modelagem em 3D parametrizada, integrada com o cronograma e as análises de compatibilidade, modelagem, dimensionamento, instalações, bem como análises termoacústicas e energéticas das edificações. Isso inspirou a implantação de um plano para a adoção do BIM, no setor público de construção americano. O BIM passou a ser adotado em larga escala pelas empresas de projeto, construção e pelos fornecedores de materiais de construção e, a partir daí, foi difundido para vários outros países.

Uma reflexão sobre o “Vale da Morte”

Retomando a preocupação com a descontinuidade entre as etapas de Pré-construção e de Construção (metodologias tradicionais), ou de Produção (construção industrializada):

• Uma vez definido o problema, como resolvê-lo?

• Ganhamos muita qualidade na etapa de Pré-construção e no detalhamento dos projetos, mas como transferir essa qualidade para a etapa seguinte (Construção ou Produção)?

Nossa preocupação em racionalizar processos e reduzir os custos envolvidos na Pré-construção e na Construção ou Produção, é notável. Temos feito isso no setor:

• A partir da implementação de melhoria contínua nos processos e mediante o uso de ferramentas competentes (softwares e aplicativos mobile);

• Utilizando a inteligência e competência de gestores experientes;

• De forma estanque nestas, ou seja: com foco específico e restrito na Pré-construção ou na Construção ou Produção.

Estas ações surtem efeito e colaboram para aprimorarmos e gerarmos resultados melhores na Pré-Construção e na Construção ou Produção. Por outro lado, não exploramos a visão sistêmica para pensarmos e resolvermos o todo. Precisamos somar as competências e a experiência de profissionais que compreendem muito bem o contexto e todo o ciclo dos projetos e empreendimentos da cadeia de valor da construção, mas que também tenham preocupação, clareza e bons insights sobre o futuro da construção, para resolvermos, de forma colaborativa, esta ruptura.

A proposta é de realização de um trabalho massivo de planejamento estratégico. Uma única plataforma digital de gestão ao longo de todo o ciclo de vida do empreendimento, conectando as etapas parece ser uma resposta óbvia. A melhor imagem desta plataforma é a de um sistema de ERP (Enterprise Resource Planning, ou Planejamento dos Recursos da Empresa), mas desenvolvido especificamente para o setor de construção. Este sistema computacional não seria somente um grande barramento econômico-financeiro, como os grandes ERP’s de mercado. Necessitamos de um sistema integrado de gestão de “A a Z”, que permeie as interfaces das etapas do ciclo de vida do projeto e do empreendimento, permitindo a gestão, controle e integração de todo o ciclo de vida dos projetos e dos empreendimentos, num pipeline contínuo.

Os processos BIM certamente serão essenciais para alimentar este sistema. Um modelo corretamente desenvolvido carregará boa parte das informações importantes que serão utilizadas, mas não são em si a solução integrada de software de que precisamos para a gestão e controle integrado de todo o ciclo do empreendimento imobiliário, garantindo continuidade, sobretudo nas interfaces entre as etapas.

Outras novidades estão a caminho, como a proposta da expansão das dimensões do BIM para 8D (Segurança no Canteiro de Obras), 9D (Lean) e 10D (Industrialização da Construção). Isto trará múltiplos benefícios e converge com as necessidades do setor, que busca excelência e aproximação com os níveis de produtividade da indústria.

Precisamos, com urgência, de uma força-tarefa mobilizando representantes de toda a cadeia de valor e os fabricantes de softwares, para um aprofundamento nesta questão e preparação de um planejamento estratégico setorial que dará as diretrizes para o desenvolvimento desta nova plataforma robusta, capturando, certamente, atributos e funcionalidades de aplicativos e softwares já existentes, mas indo muito além.

Conclusão: a nova fronteira

Em meio a essa discussão, outras preocupações como a questão da “produtização”:

• Como podemos ter, com maior clareza, as características e atributos dos produtos que queremos fabricar e projetá-los para que sejam produzidos em larga escala, com custos competitivos?

Esta visão não somente confronta, como extrapola a ideia de que o produto é uma simples consequência de um projeto. A produtização gera mais valor e dá novas perspectivas para a ampla integração e exploração das competências somadas dos players estratégicos da cadeia de valor, buscando a escalabilidade de forma conjunta e compartilhando os resultados. Gêmeos virtuais, projeto generativo, metaverso, realidade virtual e aumentada, sempre com o objetivo de oferecer uma jornada do cliente cada vez mais rica em experiências imersivas e sensoriais, ocuparão um espaço importante neste caminho para o futuro da construção, em direção à Indústria 4.0.

O planejamento estratégico setorial proposto deverá priorizar a transposição da nova fronteira, que reside justamente na concepção, a partir do desenho de processos destacado, de um sistema digital e integrado, para a gestão e controle da cadeia de valor do setor de construção, ao longo de todo o ciclo de vida dos projetos e empreendimentos. Este sistema não poderá admitir, de forma alguma, rupturas, sobretudo nas interfaces entre as etapas. Deverá ter como premissa um fluxo contínuo e integrado de atividades, passando pela Pré-construção, Construção ou Produção, Pós-construção e Operação & Manutenção. Não basta transformarmos a construção numa indústria. A industrialização é muito importante, mas devemos nos lembrar que sempre teremos atividades on-site. Por mais que consigamos minimizar estas atividades, teremos a necessidade de um planejamento mais robusto para as mesmas. O mundo exige respostas firmes da construção não somente para atender o crescimento da demanda, mas em todas as perspectivas, inclusive em direção às melhores práticas de ESG e ao netzero. Se não conseguirmos operar de forma integrada, com controle dos processos, qualidade, desempenho e prazos e, mais do que isso, elevando a produtividade setorial para outro patamar, falharemos. Portanto, foco na missão!

Referências

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