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As pedras na rota da construção civil ‘verde’

Desafios vão da escolha de insumos menos poluentes a salários dignos e atenção ao cliente

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Cláudio Marques e Naiara Bertão, O Globo. Encontrar um edifício residencial sustentável, do projeto ao seu uso, é raro no Brasil. O que mais existe são certificações garantindo diferentes níveis de sustentabilidade. Os selos mais adotados para esse fim são o Aqua-HQE, da francesa Démarche HQE™; o LEED, do United States Green Building Council (USGBC); e o Procel Edifica, de eficiência energética.

O primeiro tem 749 edifícios certificados ou em processo, dos quais 457 residenciais em construção. No segundo, há 1.721 registros, sendo 758 certificados e, no terceiro, os dados disponíveis apontam para cinco o número de projetos residenciais que solicitaram reconhecimento em 2020, quando teve início a certificação para habitações.

Usualmente, o reconhecimento não é aplicado a toda a edificação. Pode ser apenas para as áreas comuns externas ou internas, somente a construção ou restrito à economia de energia. Ser sustentável, porém, é um conjunto de frentes de trabalho, desde escolhas dos materiais e gestão eficiente de resíduos no canteiro a pagamento de salários decentes aos funcionários e rapidez com que reclamações de clientes são respondidas. Algo longe de ser o padrão do setor.

De 11 setores analisados pela consultoria Resultante, em 2021, o segmento de construção civil, shoppings e incorporação imobiliária está na lanterninha, com apenas 39 pontos de 100 possíveis, em uma nota que leva em conta 15 temas dentro dos guarda-chuvas ambiental, social e de governança. Foi o único abaixo de 50 pontos enquanto a média foi de 56 pontos.

Para o vice-presidente de Tecnologia e Sustentabilidade do Sindicato do Mercado Imobiliário de São Paulo (Secovi-SP) e CEO da Tarjab Incorporadora e Construtora, Carlos Borges, as demandas cada vez maiores do mercado financeiro sobre as grandes empresas impulsionam o movimento para todo o setor.

— Entendemos ESG como uma política permanente em que a questão central é o papel da empresa. Não existe para servir apenas aos acionistas, mas para servir à sociedade. Quem não adotar esse caminho não vai sobreviver.

Aço feito com sucata

Uma empresa bem estruturada e sustentável pode obter vantagens financeiras. Em março deste ano, a Tegra Incorporadora, subsidiária da canadense Brookfield, captou R$ 265 milhões com a emissão de títulos de dívidas sustentáveis. O dinheiro será usado para financiar construções com alta eficiência energética.

Os maiores avanços rumo ao ESG vêm de companhias com presença na Bolsa. Mas elas representam apenas 15% do mercado imobiliário, de acordo com o Secovi-SP. Um exemplo é a MRV. A mineira compensa 100% de suas emissões de gases de efeito estufa diretas e por consumo de energia, os chamados escopos 1 e 2, por meio da compra de créditos de carbono. É a única do setor hoje listada na carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3.

Eduardo Fischer, copresidente da construtora, conta que a companhia está investindo em unidades fotovoltaicas, em Minas e na Bahia. A meta é ter seis do tipo nos próximos cinco anos, que responderão por 80% da demanda energética da operação.

— Quero primeiro mostrar aos fornecedores e depois discutir com eles ações para redução — conta Fischer.

Alguns fornecedores estão mais avançados, como a Gerdau. A indústria do ferro e do aço emite 1,83 tonelada de CO² por tonelada de aço produzida, segundo dados da Associação Mundial do Aço. Na Gerdau, as emissões estão em 0,93 tonelada de CO² por tonelada de aço. Um dos motivos é que 73% do aço produzido por ela têm a sucata ferrosa como principal matéria-prima.

Outro problema com que o setor precisa lidar é a gestão de resíduos. A Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon) calcula que são produzidos 520 quilos de resíduo por habitante/dia. Apesar de 98% serem recicláveis, só 21% vão para reúso. Em quatro anos, a MRV conseguiu diminuir de três para uma caçamba o volume de entulho produzido por apartamento ao mudar o processo de construção. Uma das ideias foi inverter a ordem, construindo área externa e estacionamento, com asfalto em todo o canteiro de obra, antes de subir o edifício.

— Quando chove e forma lama no canteiro não asfaltado, perdemos materiais. Agora, a produtividade é maior e o gasto com material diminui — conta o presidente da MRV.

Condições de trabalho ainda longe do ideal

A adoção de práticas ESG tem na questão social o calcanhar de Aquiles da maioria das empresas do setor de construção civil. Uma problemática antiga e que ainda assombra é a do trabalho análogo à escravidão. O último registro do tipo veio à tona em 2021, quando o Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) resgatou 16 trabalhadores vindos do Maranhão que, segundo os órgãos de Justiça, estariam sendo mantidos em condições análogas à escravidão, aliciados para contratação mediante fraude, em empreendimentos da empresa MRV.

Na ocasião, a empresa afirmou que “não compactua com nenhuma irregularidade na contratação de colaboradores” e que suspendeu “imediatamente” o contrato com a empresa recrutadora.

— A principal questão gira em torno da cadeia de valor. Houve episódios de trabalho degradante em 2013 e 2014 envolvendo a empresa e, após os ocorridos, houve implementação de sistemas de diligência para mitigar o risco — conta Lincoln Camarini, líder de Research da Resultante.

Entretanto, o episódio voltou a ocorrer em 2021, depois do resgate de trabalhadores em uma operação de fiscalização. Apesar de a MRV ter suspendido o contrato, o histórico negativo (tanto da empresa quanto do setor) sugere que o tema poderia ser trabalhado de forma mais incisiva. Procurada, a MRV não respondeu sobre o assunto.

Normalmente, as construtoras contratam serviços de terceiros para tocar as obras, mas nem sempre eles observam à risca as normas trabalhistas e de segurança. Muitas empresas passaram, então, a fiscalizar esses fornecedores. A MBigucci, de São Bernardo do Campo, em São Paulo, além de fiscalizar e exigir de seus empreiteiros que todos os trabalhadores sejam registrados, implantou um sistema que barra a entrada de trabalhador que não seja registrado.

A ADN Construtora e Incorporadora, de São Carlos-SP, possui um programa de monitoramento e gestão de pessoas, atuando conjuntamente com os empreiteiros para averiguar a conformidade das questões trabalhistas e sociais, de acordo com Paula Jansen, diretora de Projetos, Produtos e Inovação e estudos de viabilidade técnica e legal

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